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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Capítulo 20: HERMES O MENSAGEIRO DOS DEUSES E PRÍNCIPE DOS LADRÕES

HERMES(Ἑρμῆς). Por isikol.

Após a calorosa lembrança de tudo o que passara durante a concepção e nascimento de seu filho, ali estava, diante dos seus olhos, o produto daquela inesquecível e tempestuosa noite de amor. Hermes(Ἑρμής) acabara de nascer na Arcádia, numa gruta úmida e profunda, que se abria nas encostas do monte Cilene. Maia(Μαῖα) enrolou o menino em faixas e colocou-o no vão de um salgueiro, árvore sagrada, que tinha as raízes no mundo subterrâneo, a copa no reino divino e o tronco no mundo dos homens.



Maia Observa com toda a ternura o seu filho, que está aparentemente adormecido, com o dedinho metido na boca.

— Um digno filho de Zeus(Ζεύς)!

Maia, na ponta dos pés, afasta-se, deixando o pequeno deus entregue aos cuidados de Hipnos(Ὕπνος), que vela ao seu lado. Mas tão logo a mãe se afasta, uma minúscula pálpebra lentamente se abre.  Hermes, com o rosto parcialmente oculto pelo cobertor, estuda o ambiente.  Sim, Hipnos, bem ao seu lado, este completamente adormecido. Demonstrando  logo ser uma criança precoce e astuta. Livrou-se das faixas que o enrolavam e afastando as cobertas, o pequenino deus, ainda deitado, faz deslizar uma de suas perninhas para fora do leito, o pequeno pé tateia o chão, à procura de sua minúscula sandália:

—  ah!, ali está!

Deslizando o resto do corpo para fora do leito, o pequeno  Hermes está pronto para protagonizar a primeira de suas façanhas."Uma façanha perfeitamente memorável" — pensa o pequeno deus, lá no seu habitat divino. Ao realizar a exploração local e perceber que sua genitora não se encontrava por ali notando,  pela primeira vez, como a noite é cálida e estrelada .

— Perfeita para um delicioso passeio noturno.

Dando um impulso às suas pernas, o deus menino lança-se à vastidão, isento de qualquer receio porque o pequeno Hermes fora brindado com esta inexcedível virtude: nascera sem medo, e saiu para um passeio nas montanhas. Locomovia-se com rapidez e, em pouco tempo, chegou à Tessália. Naquela época, Apolo(Ἀπόλλων) ainda estava por lá, purificando-se do sangue de Píton e trabalhava pastoreando o rebanho do rei Admetos (Ἄδμητος).

Sentindo fome, Hermes saiu para espiar os arredores, já imaginando astúcias, se dirigiu para as montanhas, onde pastava o gado divino. Oculto atrás de uma árvores Hermes viu Apolo juntando alguns bois. Então aguardou anoitecer. A noite os animais já estavam abrigados em seu redil.  Hermes, sem se deixar deter por tão mísero detalhe, abre a porteira e sozinho arrebata cinqüenta novilhas para si.

—  Uma... duas... três... três e uma... três e duas... cinqüenta de uma vez!—  contabiliza ele, lá na sua matemática infantil.

Uma coisa é furtar grosseiramente, sem arte nem graça; outra é fazê-lo com a elegância do estilista.  Hermes é isto: um estrela do furto. Conduzindo as novilhas, as suas caudas amarrou galhos folhudos de árvore, para que fossem apagando os próprios rastros, ao caminharem. Tangendo-as com um bastão, por caminhos labirínticos para evitar ser seguido através dos rastros. Também fez com que andassem de marcha-a-ré, com o mesmo objetivo, e para si confeccionou um par de sandálias mágicas com folhas de tamareira e mirtilo, para que pudesse deslizar pelo caminho e prosseguir com rapidez, mas isto ainda não é o bastante: o pequenino Hermes, sempre previdente,  a exemplo da inversão dos cascos das novilhas, calça igualmente as suas sandálias de maneira invertida, para tomar mais perfeita a ilusão deixando assim pegadas pouco reconhecíveis.

Logo ele chegaria ao Peloponeso. No caminho, entretanto, cruza com um velho enxerido, que pergunta:

— Aonde vai com tantas novilhas, gracioso menino?

Hermes sabe que não o enganará, porque velhos metidos têm muita lábia.

— Fique com uma delas de uma vez! — diz  Hermes, dando seus primeiros passos na antiquíssima arte do suborno. — Mas não me denuncie, hein, velho?!

— Oh, não, confie em mim, gracioso menino! — diz o velho, abraçando-se à mais gorda das novilhas. — Confie em mim!

Hermes dá alguns passos e vira a esquina de um rochedo. O rosto de pica-pau do velho enxerido, contudo, não abandona a sua mente: "Oh, não, confie em mim, gracioso menino! Confie em mim!". Aquele segundo "confie em mim!" é prova bastante: ele irá denunciá-lo. Hermes disfarça-se de proprietário ganancioso e irado e retorna.

— Velho, não viu passar por aqui um ladrão com cinqüenta novilhas?

Responde o velho enxerido:

— Bem, não...

Hermes, então, põe a prova sua teoria:

— Dou-lhe uma novilha e mais quatro bois se me disser.

Logo o ganancioso velho responde:

— Foi para lá, meu senhor! — grita o velho enxerido, apontando o dedo.

— Ótimo! — exclama  Hermes, puxando seus bigodes de crina de proprietário ganancioso e irado. — Vou já buscar a sua recompensa.

Dobra por trás do rochedo e dali mesmo esmurra a montanha até fazer desprender dela uma rocha imensa, que vai cair exatamente sobre a cabeça do velho enxerido.

— Aí está sua recompensa! — diz  Hermes, retomando a sua forma e foge.

E até hoje lá está um grande rochedo, sob a forma de um velho enxerido, postado em pé para sempre sob o pó do Peloponeso...

Após este episódio Hermes se escondeu com o gado roubado numa caverna, em Pilos, lá aproveitou para descansar e sacrificou duas novilhas, dividiu a carne e a gordura em doze porções e as colocou em um lugar alto, como um monumento à sua façanha. Nestes altares improvisados, empilhou as carnes dos animais abatidos e ateou-lhes fogo.

— Deuses do Olimpo, forças da natureza, eu vos ofereço este sacrifício cruento. Que seja ele agradável a vós e que me traga forças para que me desenvolva rapidamente, que me torne adulto e possa trabalhar entre vós, deuses, como deus que sou também.

Após o sacrifício, deixou o resto do rebanho oculto na caverna e saiu. Ao sair da caverna, deparou-se com uma tartaruga, e disse que ela lhe anunciava uma boa sorte. Ao mesmo tempo conferiu-lhe dons: enquanto vivessem as tartarugas seriam uma proteção contra o mau-olhado, e ao morrerem aprenderiam a cantar belas canções.

Tomou-a então e a levou para dentro, matou-a separou as carnes do casco, limpou-o bem e voltou à caverna. Usou seu casco para fazer o corpo da primeira lira. Com tripas de ovelha fez sete cordas, que afinou em harmonia. Logo, com o instrumento que inventara, acompanhou seu próprio canto, elevado em honra a seus pais.

Quanto ao resto dos despojos, queimou-os no fogo, jogou suas sandálias no rio, apagou a fogueira, escondeu as outras reses em Pilos e eliminou todos os traços de suas ações. Findada sua aventura voltou, então, para o monte Cilene. Embrulhou-se nas faixas e deitou-se no vão do salgueiro, como se nada tivesse acontecido.

Chegando Apolo junto de seu rebanho, deu conta da falta das cinquenta vacas e iniciou sua busca. Encontrou o local onde estava o vinhateiro velho, que embora não tenha acusado Hermes do furto, deu algumas pistas vagas. Uma ave voou como num augúrio, e Apolo de imediato suspeitou de Hermes, mas ficou perplexo ao ver os rastros confusos que a manada deixara, e as estranhas marcas das sandálias de Hermes.

Usando a intuição que tinha aguçada, como dom divino, partiu direto para o lugar onde Hermes nascera, e o encontrou em seu berço. A criança dormia tranquilamente e Apolo queixou-se a Maia. Mas ela, que nada sabia sobre as aventuras do filho, protestou veementemente.

— Como pode lançar tais acusações sobre uma criança que mal nasceu? Veja só como dorme, ainda toda enrolada em faixas!

Tão serena era a expressão do menino e tão calorosos eram os protestos de Maia, que Apolo chegou a duvidar a própria intuição. Pensou:

— Não é possível. Sei que não tenho como comprovar a veracidade de minha intuição e até sinto-me tentado a ignorá-la, ante tão clara evidência. Mas preciso acreditar em mim mesmo, nos dons divinos que possuo, ou acabarei por afastá-los de mim, por minha própria descrença. Vou seguir, portanto, os ditames de minha intuição,aconteça o que acontecer.

Perscrutou o lugar com sua luz mas não encontrou o gado, e acordou o bebê exigindo que revelasse onde o escondera, sob severas ameaças.

Hermes negou qualquer conhecimento do caso:

— Apolo como poderia com tão pouca idade, ser o autor do furto?

Mas Apolo não se deixou iludir, e entre aborrecido e divertido,indagou:

— Hermes você é um enganador e ardiloso, prevejo que em muitas noites penetrará nas casas dos homens e silenciosamente os privará de seus bens, e tomará o gado dos pobres pastores.

Assim Hermes ganharia fama como Mestre dos Ladrões. Apolo tomou a criança em seus braços e a levou para o tribunal de Zeus, para que a disputa fosse resolvida. Depois de ouvir todo o relato de Apolo, o supremo deus do Olimpo resolveu conhecer este seu novo filho e o mesmo, pasmem, lá estava, adormecido nos braços de Apolo. Sua respiração estava perfeitamente tranquila, mas um ligeiro rubor de suas rechonchudas bochechas denunciava, talvez, uma recente atividade.

— É que ele está meio febril — disse a mãe, inventando qualquer coisa.

Apólo coloca a mão na testa do bebê, falando:

— Não, nada de febre!

— É que ele chupou o dedinho demais — diz a mãe, inventando outra desculpa.

E assim ficariam para sempre, porque mãe, em se tratando de filho, tem justificativa para tudo. Com muita habilidade, Zeus o acordou, interrogou a criança.

— Sim, fui eu — confessou por fim o menino. — Mas que mal fiz eu em separar alguns exemplares de um rebanho tão grande? Quis oferecer um sacrifício os deuses.

Zeus sorriu e afagou a cabeça do filho.

— Acho que acabei criado um bom problema tanto para os deuses como para os homens.

Hermes entretanto replicou vigorosamente:

-— Afirmo sem temor de minha origem divina e reivindico um tratamento igual ao que recebe meu meio-irmão Apolo. Se o Senhor do Olimpo o negar, então me transformarei num príncipe dos ladrões. Se Apolo me perseguir, destruirei seu santuário e tomarei seu ouro.

Zeus acabara por arrancar-lhe a verdade.

— Está bem, compreendo sua intenção. Mas vai me prometer que jamais mentirá novamente e que dirá sempre a verdade.

— Prometo — respondeu Hermes prontamente. — Jamais mentirei outra vez, mas também jamais direi a verdade totalmente. A verdade completa nunca pode ser revelada. Ela deve nascer no fundo do coração e calar-se antes que chegue aos lábios, pois poucos são aqueles que têm a capacidade de compreendê-la.

— Os deuses conhecem a verdade, Hermes — retrucou Zeus.

— Os deuses só conhecem parte da verdade — respondeu o menino — aquela parte que diz respeito a cada um deles. Nem mesmo sei se o grande Espírito conhece a Verdade total. Ele é a Verdade. Mas terá plena consciência de todas as nuances que compõem a Verdade plena? Ou somente existe, portando toda esta Verdade e esperando que os deuses mergulhem em sua consciência e possam, então, absorver a Verdade, ou melhor, parte dela, a parte que lhes interessa saber, no momento? E é por isso que lhe digo, pai, a Verdade que os deuses possuem só interessa a eles mesmos. Portanto, jamais revelarei a minha verdade totalmente a ninguém.

Zeus não respondeu. Apenas observou o filho, admirado com a inteligência sagaz que já demonstrava possuir. Enquanto Zeus e Hermes conversavam, Apolo admirava a lira fabricada pelo menino. Com os dedos habilidosos, fez soar suas cordas, arrancando sons melodiosos. Apolo congelou como uma estátua.

Então Hermes tomou da lira e começou a cantar toda a teogonia, celebrando Mnemosine(Mνημοσύνη), deusa da memória, acima de todos os deuses. Encantado, Apolo apreciava a melodia.

— Que instrumento maravilhoso é este? — Indagou extasiado aproximando-se de Hermes. — Se estiver de acordo, Hermes, troco o rebanho que está com você por este instrumento mágico. Aceita?

Hermes sorriu, satisfeito, e aceitou imediatamente. Tempos depois, a habilidosa criança criou a flauta, que trocou com Apolo pelo cajado de ouro com que tocava o gado do rei Admetos (Ἄδμητος). Apolo, temendo que no futuro Hermes voltasse a enganá-lo, pediu que o irmão fizesse um juramento solene de jamais armar novos estratagemas contra ele ou suas posses, no que Hermes consentiu. Feita a paz entre ambos, do céu Zeus mandou sua águia em sinal de aprovação, selando sua aliança.

Satisfeito, Apolo prometeu novos benefícios: o faria rico, honrado e famoso, hábil em tudo o que empreendesse que fosse bom, tanto na palavra como nos atos, e capaz de levar tudo a termo, mas não pôde compartilhar com ele os dons da profecia e do conhecimento da vontade de Zeus, que só Apolo possuía, impedido que estava pelo pai de fazê-lo. Em compensação, deu a Hermes três virgens aladas, que ensinavam a divinação e diziam a verdade quando alimentadas com mel. Também tinham o poder de levar as coisas ao seu termo. Se Hermes decidisse, depois de aprendê-la, poderia ensinar tal arte a alguns homens de sua escolha.

Zeus confirmou os dons de Apolo sobre Hermes, e acrescentou outros: atribuiu-lhe o comando das aves divinatórias, dos leões, dos ursos, dos cães e de todos os rebanhos da Terra, além de fazê-lo mensageiro junto a Hades, função de grande prestígio.

Hermes aperfeiçoou-se na arte da adivinhação e, trabalhando sem cessar, aprendeu rapidamente o meio de se deslocar entre o céu, a terra e os infernos com rapidez e segurança. E então Zeus, que o observava, presenteou-o com sandálias de ouro e aladas, e transformou-o no mensageiro dos deuses...

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