PROMETEU (Προμηθεύς). Por Genzoman. |
Prometeu ( Προμηθεύς) não se conformava. Via o organismo material de Gaia(Γαῖα) encher-se de vida, com a variedade de criaturas que seu irmão Epimeteu(Ἐπιμηθεύς) havia constituído para povoá-lo.
Prometeu ainda tinha na mente a vontade de criar um ser humano, não para servir de morada a algum deus, mas que tivesse vida própria, pretendendo aperfeiçoar essa nova raça, dando a ela força e o dom de refletir, criar e ensinar, tornando-se mais próximo à raça divina, um ser que recebesse de alguma forma um espírito imortal, que haveria de crescer e evoluir, de aprender por si os mistérios da vida até poder igualar-se aos deuses, .
No entanto Zeus negara-se terminantemente a lhe dar sua permissão para realizar seus desejos. Um dia resolveu, ia fazer tudo às escondidas. Modelou um boneco de argila e trabalhou nele com afinco.
Prometeu ainda tinha na mente a vontade de criar um ser humano, não para servir de morada a algum deus, mas que tivesse vida própria, pretendendo aperfeiçoar essa nova raça, dando a ela força e o dom de refletir, criar e ensinar, tornando-se mais próximo à raça divina, um ser que recebesse de alguma forma um espírito imortal, que haveria de crescer e evoluir, de aprender por si os mistérios da vida até poder igualar-se aos deuses, .
No entanto Zeus negara-se terminantemente a lhe dar sua permissão para realizar seus desejos. Um dia resolveu, ia fazer tudo às escondidas. Modelou um boneco de argila e trabalhou nele com afinco.
— Vou fazê-lo à imagem dos deuses — pensou.
O titã Prometeu moldou uma estátua, de corpo andrógeno, criou o primeiro ser inteligente da Terra, mas, tendo completado sua obra, não conseguiu dar-lhe vida. Não desistiu. Procurou os seres da natureza, que haviam auxiliado no ritual de Thêmis(Θέμις).
— Quer que ele tenha vida própria? — perguntou um deles, surpreso. — E para quê?
— Bem, — explicou Prometeu — acho que é preciso que um ser se ocupe da manutenção da vida física. Um ser feito especialmente para cuidar da criação no mundo físico. Já fiz seu corpo, mas não sei como animá-lo.
Os seres da natureza entreolharam-se e sacudiram a cabeça. Depois apontaram para o outro lado do monte.
— Procure a rainha das Ninfas(νύμφη) do bosque sagrado. Somente ela poderá lhe auxiliar.
E Prometeu partiu em busca da rainha das Alseídes(Ἀλσηΐδες). Caminhou muito, feriu os pés nas pedras do caminho, rasgou a pele nos espinhos da mata cerrada. As mãos machucadas mal conseguiam separar os galhos e cipós entrelaçados. Mas ele não desistiu e nem parou para descansar. Até que a encontrou. No bosque encantado, cercada de pequeninas flores de amapolas coloridas, seu trono translúcido parecia feito de cristal.
Pequenina e muito branca, a rainha dos bosques mais se assemelhava a uma criança. Tão exausto que mal conseguia falar, Prometeu explicou o motivo de sua presença ali. Ela ouviu com atenção e quedou-se, pensativa, por muito tempo. Cansado, Prometeu pediu licença e sentou-se. Mergulhou a cabeça entre as mãos e aguardou.
— Prometeu — disse ela, enfim — escute-me com atenção.
Ele levantou-se, com uma ansiedade incontida estampada no rosto sujo. Ela continuou:
— Terá que conseguir a melhor carne do touro sacrificado. Dela extrairá o sangue e com ele irá banhar sua criatura no terceiro dia depois que a lua se torne redonda no céu. Então, quando a lua desaparecer totalmente, pegue o fogo da carruagem de Hélios(Ἥλιος). Uma vez conseguido isto, recite as palavras que irei lhe ensinar, segurando sobre a criatura o fogo sagrado.
E a rainha dos bosques ensinou a Prometeu as palavras mágicas, que deveria dizer nos momentos certos. Alegre e animado, Prometeu retornou à sua gruta.
No dia seguinte haveria um ritual, com sacrifício do touro sagrado. Mal conseguia disfarçar sua ansiedade. Logo ofereceu-se para separar as carnes do animal, após o termino da cerimônia. As carnes deveriam ser servidas aos deuses e os ossos queimados, para que a fumaça se elevasse aos céus e o animal fosse recomposto.
Encarregado da partilha, Prometeu bolou um estratagema para engabelar a onisciência e onipresença do senhor do Olimpo, desta forma separou as vísceras, as carnes, e colocou-as encobertas pelo couro do animal Fez outro monte com os ossos e escondeu-os sob a capa de gordura branca, então questionou:
— Oh glorioso senhor do Olimpo e de todos os deuses, qual das oferendas deve ser direcionada ao sacrificio?
— Filho de Japeto, o mais ilustre de todos os reis, amigo, com que desigualdade dividiste as partes! Tu podes ser o mais inteligente dos deuses, filho de Japeto, mas fizeste uma divisão muito injusta. Tanto melhor: facilitaste minha escolha. Não terei nenhuma dificuldade em decidir qual das porções caberá aos deuses do Olimpo.
Prometeu, sorrindo interiormente do ardil, pediu a Zeus:
— Honrado Zeus, maior dentre todos os deuses imortais, escolhe a parte que teu coração desejar! Tua decisão será respeitada, tanto por mim quanto por todos.
E Zeus, ao pensar na carne boa que estaria sob a gordura branca e brilhante, seu olhos cintilaram. Por isso, apontou para a travessa que brilhava com a gordura. Este optou pela parte que parecia a melhor. E outorgou:
— De agora em diante, esta é a porção que pertencerá aos deuses, para todo o sempre. Esta é a minha decisão, e nada poderá mudá-la!
Zeus mandou que levassem o segundo monte para que a refeição dos deuses fosse preparada e servida. Rapidamente, Prometeu levou consigo as carnes e as vísceras e voltou para sua gruta.
A imagem de um sorriso irônico nos lábios do titã não saia da cabeça de Zeus, e seu rosto contraiu-se numa súbita suspeita. Ele afundou as mãos na primeira travessa, a que havia escolhido, e puxou a gordura para o lado. E teve uma grade surpresa! Enfurecido, Zeus descobriu que havia escolhido apenas os ossos para o sacrifício aos deuses. E, pior, sua decisão era irreparável e assim ficou furioso.
— Onde está Prometeu? Procurem-no e tragam-no aqui com as carnes que roubou. — A cólera havia enchido a alma do senhor do Olimpo, enquanto o ódio lhe subia ao coração.
Prometeu, sabendo que seria procurado, carregou o boneco de argila para longe, para outra gruta desconhecida de todos, oculta por árvores frondosas. Extraiu todo o sangue das carnes e enterrou-as bem fundo. E esperou a lua chegar bem no meio do céu. Era o terceiro dia de lua cheia. No momento certo, ficou de pé ao lado de sua criatura, fechou os olhos e concentrou-se.
— Rainha Alseídes guie meus gestos e inspire minhas palavras. Aqui estou eu, suplicando seu auxílio. Insufle-me sua sabedoria e sua magia. Que meus movimentos sejam inspirados por seu eterno conhecimento da vida. Eis me aqui, aguardando sua presença em meu coração.
Calou-se e esperou. Em pouco, seu rosto foi acariciado por uma brisa suave e perfumada. Um assovio fino começou a brotar de algum lugar, no centro de sua cabeça. Uma pressão suave comprimiu a base de seu crânio. Surpreendeu-se com essas novas sensações, mas procurou não deixar fugir o estado de intensa concentração em que se encontrava. De repente, um arrepio forte subiu por sua coluna e sacudiu seu corpo violentamente. Respirou fundo e estendeu as mãos sobre o boneco de barro.
— Ó Grande Espírito, que comanda os mundos visíveis e invisíveis, que engendrou a luz e as trevas, eu convoco sua força criadora. Faça de mim um veículo de sua energia e que eu seja capaz de insuflar a vida nesta criatura. Que seja ela um ser vivente, um corpo capaz de abrigar um espírito divino.
E espargiu sobre a figura de argila o sangue rubro do touro sacrificado. À medida que a argila absorvia o sangue, as feições do boneco iam ficando mais suaves e seus contornos mais definidos. As mãos de Prometeu vibravam e aqueciam-se, ao contato do sangue morno.
— Receba o sangue vívido que o tornará um ser vivente. Que o barro se transforme ao contato do sangue do sacrifício, que se torne carne, fibras, músculos, ossos, nervos, entranhas e órgãos. Viva, eu ordeno, viva!
Pouco a pouco a argila ia se modificando. Sua textura ficava mais macia, suas cores mais rosadas. Até que se transformou em um ser humano. Mas continuava inerte, abandonado sobre o chão de terra. Prometeu respirou fundo. As sensações intensas que tomavam conta de seus sentidos foram se tornando mais suaves. E novamente um forte arrepio sacudiu seu corpo. Parou e olhou para figura humana, deitada a seus pés.
— Céus! Acho que consegui! Que maravilha, que coisa espantosa! Como pude fazer isto?
Calou-se subitamente. E naquele momento compreendeu que não fora exatamente ele quem realizara aquela proeza.
— A Rainha Alseídes! — exclamou — De alguma maneira, ela tomou conta de minhas palavras e de meus gestos! Mas como pode ser isto?
Olhou novamente a figura inerte.
— Mas ele ainda não vive... E agora, o que fazer?
No mesmo momento, lembrou-se as recomendações da rainha das ninfas do bosque sagrado: "Quando a lua desaparecer totalmente, pegue do fogo da carruagem de Hélios". Sentou-se e esperou. Quando a fome chegava, bebia água de uma nascente próxima e comia uns cogumelos que brotavam agarrados a um tronco úmido. Fascinado, contemplava sua criatura. Às vezes adormecia, abandonava o corpo de matéria e flutuava pelo espaço.
De longe, via Zeus e outros deuses procurando por ele em todos os cantos. E então soube também que a rainha Alseídes tratava de ocultá-lo. Teve um momento em que pensou: Como pode ela ir contra a vontade do próprio Zeus? Quem é a rainha das Alseídes? Uma fada, uma ninfa, espírito da natureza, o que, afinal?" E a resposta vinha de algum lugar, muito dentro de sua mente:
— Eu sou aquela que sabe os segredos da Natureza, aquela que controla o crescimento da vida. Nada mais me importa. Somente a vida, somente a existência física.
E Prometeu continuou aguardando. Os dias passavam e Selene, a lua, ia se tornando um risco fino e curvo no céu. Prometeu novamente dormiu. Projetou-se no espaço, no negro infinito dos céus e foi direto às estrebarias onde descansavam os cavalos de fogo de Hélios.
Um pouco afastada, parada entre dois pés de funcho, viu a carruagem ígnea, que brilhava contra a escuridão que se expandia pelo Nada. Chegou bem perto recolheu o caule do funcho e estendeu as mãos, sem medo. Sentiu as chamas emanarem através das planta que ele segurava, era uma sensação de alguma coisa quente e vibrante, que escorria por seus braços e entranhava-se em seu ser espiritual.
Encheu as mãos com aquela coisa vibrante, apanhando desta forma uma centelha do fogo celeste, privilégio de Zeus, ocultou-a na haste de uma férula. De posse do fogo que criava a Vida, afastou-se apressadamente. Chegou à gruta, viu seu próprio corpo denso adormecido, mas sentiu que não devia ainda ocupá-lo.
Olhou em volta, intuitivamente procurando algo que não sabia o que era. Seus olhos pousaram em uma pedra lisa e côncava. Em sua depressão, colocou o fogo sagrado. E só então voltou a seu corpo físico. Levantou-se. O brilho do fogo ofuscou sua visão. Apertou os olhos e aproximou-se do ser inerte que jazia no chão, esperando o sopro que lhe daria a vida. Parou e fechou os olhos.
— Rainha dos bosques sagrados — balbuciou tremulamente — eis-me aqui, novamente suplicando seu auxílio. Ilumine meu coração e minha mente, para que eu seja capaz, neste momento sagrado e único, de dar a vida a esta criatura. Seja ele o senhor de toda a criação física.
Calou-se. Logo em seguida começou a sentir um calor que chegava, que ocupava seu corpo e sua mente, que o incitava a mover-se em direção à pedra côncava que brilhava, cheia do fogo sagrado. Pegou a pedra e e chegou bem perto da criatura.
— Ser que dorme seu sono eterno e incriado, eis-me pronto a dar-lhe o sopro da vida.
Prometeu percebeu vagamente que não era mais ele quem falava. A presença da Alseídes em seu interior era tão forte que não deixava nenhuma dúvida possível. Continuou:
— Que o grande Espírito permita que seja ele um depositário do fogo sagrado.
Num movimento suave, deixou verter sobre a criatura o fogo que brilhava na concavidade da pedra. Viu que ele escorreu pelo corpo inerte, percorrendo canais sutis em sua estrutura. Por fim, dividiu-se em duas partes. Uma delas colocou-se na base da coluna e a outra no coração. Uma força impulsiva fez com que Prometeu chegasse seu rosto ao rosto daquele ser que criara. Sua boca parou muito perto daqueles lábios ainda adormecidos e ele falou num sussurrou:
— Este é o fogo sagrado e com ele esta assegurada a superioridade dos homens sobre os outros animais. Eu lhe insuflo o sopro divino.
Colou sua boca à da criatura e soprou com brandura. Imediatamente percebeu um ligeiro suspiro brotar dos lábios sob os seus. Afastou-se e observou. O ser respirava levemente. Pouco depois a respiração tornou-se mais forte, e ele abriu os olhos. Prometeu levantou-se, admirado. Olhou sua criatura que despertava do sono eterno para a vida física. E sorriu, gratificado.
Viu que o ser, agora vivo, estendia-lhe uma das mãos, como que pedindo auxílio. Segurou aqueles dedos quente e macios e ajudou-o a erguer-se. E ali estava, à sua frente, sua própria criação! Com a mão direita, tocou-lhe o centro da fronte.
— Você agora faz parte do mundo criado, você existe e, como ser vivente, será responsável pela manutenção do mundo de Gaia. Você é divino e humano. Você é o Homem.
O Homem sorriu e olhou em volta, surpreso com tudo que o rodeava. Depois deu um passo, e mais outro. Lentamente, aproximou-se da entrada da gruta. Parou e olhou o céu estrelado. Deixou que seus olhos se perdessem na imensidão.
E, pela primeira vez, o homem teve saudade. Saudade da origem, saudade de algum lugar que não sabia onde ficava, talvez saudade do calor do fogo, cuja parcela ínfima trazia em seu corpo, ou talvez saudade da inconsciência que deixara e que o aproximava tanto do Todo. E, pela primeira vez, o Homem chorou...
Zeus ficou furioso quando Hélios, o sol, que tudo presenciava durante sua caminhada de um lado para o outro do horizonte, contou-lhe que vira o Homem passeando entre as árvores do bosque. Hera chegou e parou de longe, vendo a fúria incontida de Zeus.
— Mas o que aconteceu? — perguntou, preocupada.
— Ele fez o Homem! Prometeu criou o Homem, desobedecendo às minhas ordens!
A senhora do Olimpo chegou-se mais perto e falou com brandura:
— Ora, se não deseja o Homem, por que então não o destrói de uma vez?
Zeus parou e olhou-a. Ia dizer alguma coisa, mas Hélios o interrompeu:
— O Homem é imortal! Não conseguirá destruí-lo. E é também de constituição andrógina. Com certeza irá se reproduzir.
Zeus olhou com espanto a face luminosa de Hélios.
— Tem certeza disto?
Hélios sacudiu afirmativamente a cabeça, espalhando gotas luminossas em volta de seu rosto.
— É verdade, Zeus! Ele conseguiu fazer um ser material perfeito.
Zeus cerrou as mãos e brandiu-as no ar.
— Há de haver um meio de destruir essa criatura! Não permitirei que prolifere e tome conta dos nossos domínios físicos!
Os descendentes deste primeiro homem, no entanto, logo entraram em desavença com o pai supremo, Zeus — como acontece com todo bom filho.
— Como se atrevem a levantar a mão contra o senhor do Olimpo, podem ser imortais, mas ainda assim posso fazê-los sofrer...
Graças a ajuda de Prometeu que forneceu o fogo da carruagem de Hélios, os homens passaram a fundir o metal e criar armaduras, motivo pelo qual tal era foi chamada de Geração de Bronze. Com ele também os homens passaram a domesticar os animais, cruzar oceanos, dar maior conforto à sua vida.
Esses fatores deixaram Zeus furioso, pois este temia que os humanos se tornassem mais poderosos que os deuses. Com esse pensamento, Zeus passa a castigar os humanos, como um modo de puni-los por terem a dádiva do fogo.
E a primeira atitude foi tomar dos homens o fogo um dia furtado por Prometeus. Sem o fogo, todo e qualquer trabalho humano era muito difícil ser executado, nem poderiam os homens cozer os alimentos. E comentou consigo mesmo:
— Veremos se vão gostar da carne sem cozê-la. Agora talvez não pensem que seu ardiloso amigo Prometeu lhes fez algum favor.
E disse a Prometeu:
— Filho de Japetos(Ἰαπετός), cuidado com minha ira, pois sabes o quanto posso ser cruel quando quero punir.
Agora estavam sem o fogo, que lhes dava o calor necessário aos seus corpos desprovidos de penas ou de pelo espesso. Deste modo o homem também ficava privado do elemento fundamental para que pudesse continuar a fabricar suas armas e ferramentas.
O titã Prometeu moldou uma estátua, de corpo andrógeno, criou o primeiro ser inteligente da Terra, mas, tendo completado sua obra, não conseguiu dar-lhe vida. Não desistiu. Procurou os seres da natureza, que haviam auxiliado no ritual de Thêmis(Θέμις).
— Quer que ele tenha vida própria? — perguntou um deles, surpreso. — E para quê?
— Bem, — explicou Prometeu — acho que é preciso que um ser se ocupe da manutenção da vida física. Um ser feito especialmente para cuidar da criação no mundo físico. Já fiz seu corpo, mas não sei como animá-lo.
Os seres da natureza entreolharam-se e sacudiram a cabeça. Depois apontaram para o outro lado do monte.
— Procure a rainha das Ninfas(νύμφη) do bosque sagrado. Somente ela poderá lhe auxiliar.
E Prometeu partiu em busca da rainha das Alseídes(Ἀλσηΐδες). Caminhou muito, feriu os pés nas pedras do caminho, rasgou a pele nos espinhos da mata cerrada. As mãos machucadas mal conseguiam separar os galhos e cipós entrelaçados. Mas ele não desistiu e nem parou para descansar. Até que a encontrou. No bosque encantado, cercada de pequeninas flores de amapolas coloridas, seu trono translúcido parecia feito de cristal.
Pequenina e muito branca, a rainha dos bosques mais se assemelhava a uma criança. Tão exausto que mal conseguia falar, Prometeu explicou o motivo de sua presença ali. Ela ouviu com atenção e quedou-se, pensativa, por muito tempo. Cansado, Prometeu pediu licença e sentou-se. Mergulhou a cabeça entre as mãos e aguardou.
— Prometeu — disse ela, enfim — escute-me com atenção.
Ele levantou-se, com uma ansiedade incontida estampada no rosto sujo. Ela continuou:
— Terá que conseguir a melhor carne do touro sacrificado. Dela extrairá o sangue e com ele irá banhar sua criatura no terceiro dia depois que a lua se torne redonda no céu. Então, quando a lua desaparecer totalmente, pegue o fogo da carruagem de Hélios(Ἥλιος). Uma vez conseguido isto, recite as palavras que irei lhe ensinar, segurando sobre a criatura o fogo sagrado.
E a rainha dos bosques ensinou a Prometeu as palavras mágicas, que deveria dizer nos momentos certos. Alegre e animado, Prometeu retornou à sua gruta.
No dia seguinte haveria um ritual, com sacrifício do touro sagrado. Mal conseguia disfarçar sua ansiedade. Logo ofereceu-se para separar as carnes do animal, após o termino da cerimônia. As carnes deveriam ser servidas aos deuses e os ossos queimados, para que a fumaça se elevasse aos céus e o animal fosse recomposto.
Encarregado da partilha, Prometeu bolou um estratagema para engabelar a onisciência e onipresença do senhor do Olimpo, desta forma separou as vísceras, as carnes, e colocou-as encobertas pelo couro do animal Fez outro monte com os ossos e escondeu-os sob a capa de gordura branca, então questionou:
— Oh glorioso senhor do Olimpo e de todos os deuses, qual das oferendas deve ser direcionada ao sacrificio?
— Filho de Japeto, o mais ilustre de todos os reis, amigo, com que desigualdade dividiste as partes! Tu podes ser o mais inteligente dos deuses, filho de Japeto, mas fizeste uma divisão muito injusta. Tanto melhor: facilitaste minha escolha. Não terei nenhuma dificuldade em decidir qual das porções caberá aos deuses do Olimpo.
Prometeu, sorrindo interiormente do ardil, pediu a Zeus:
— Honrado Zeus, maior dentre todos os deuses imortais, escolhe a parte que teu coração desejar! Tua decisão será respeitada, tanto por mim quanto por todos.
E Zeus, ao pensar na carne boa que estaria sob a gordura branca e brilhante, seu olhos cintilaram. Por isso, apontou para a travessa que brilhava com a gordura. Este optou pela parte que parecia a melhor. E outorgou:
— De agora em diante, esta é a porção que pertencerá aos deuses, para todo o sempre. Esta é a minha decisão, e nada poderá mudá-la!
Zeus mandou que levassem o segundo monte para que a refeição dos deuses fosse preparada e servida. Rapidamente, Prometeu levou consigo as carnes e as vísceras e voltou para sua gruta.
A imagem de um sorriso irônico nos lábios do titã não saia da cabeça de Zeus, e seu rosto contraiu-se numa súbita suspeita. Ele afundou as mãos na primeira travessa, a que havia escolhido, e puxou a gordura para o lado. E teve uma grade surpresa! Enfurecido, Zeus descobriu que havia escolhido apenas os ossos para o sacrifício aos deuses. E, pior, sua decisão era irreparável e assim ficou furioso.
— Onde está Prometeu? Procurem-no e tragam-no aqui com as carnes que roubou. — A cólera havia enchido a alma do senhor do Olimpo, enquanto o ódio lhe subia ao coração.
Prometeu, sabendo que seria procurado, carregou o boneco de argila para longe, para outra gruta desconhecida de todos, oculta por árvores frondosas. Extraiu todo o sangue das carnes e enterrou-as bem fundo. E esperou a lua chegar bem no meio do céu. Era o terceiro dia de lua cheia. No momento certo, ficou de pé ao lado de sua criatura, fechou os olhos e concentrou-se.
— Rainha Alseídes guie meus gestos e inspire minhas palavras. Aqui estou eu, suplicando seu auxílio. Insufle-me sua sabedoria e sua magia. Que meus movimentos sejam inspirados por seu eterno conhecimento da vida. Eis me aqui, aguardando sua presença em meu coração.
Calou-se e esperou. Em pouco, seu rosto foi acariciado por uma brisa suave e perfumada. Um assovio fino começou a brotar de algum lugar, no centro de sua cabeça. Uma pressão suave comprimiu a base de seu crânio. Surpreendeu-se com essas novas sensações, mas procurou não deixar fugir o estado de intensa concentração em que se encontrava. De repente, um arrepio forte subiu por sua coluna e sacudiu seu corpo violentamente. Respirou fundo e estendeu as mãos sobre o boneco de barro.
— Ó Grande Espírito, que comanda os mundos visíveis e invisíveis, que engendrou a luz e as trevas, eu convoco sua força criadora. Faça de mim um veículo de sua energia e que eu seja capaz de insuflar a vida nesta criatura. Que seja ela um ser vivente, um corpo capaz de abrigar um espírito divino.
E espargiu sobre a figura de argila o sangue rubro do touro sacrificado. À medida que a argila absorvia o sangue, as feições do boneco iam ficando mais suaves e seus contornos mais definidos. As mãos de Prometeu vibravam e aqueciam-se, ao contato do sangue morno.
— Receba o sangue vívido que o tornará um ser vivente. Que o barro se transforme ao contato do sangue do sacrifício, que se torne carne, fibras, músculos, ossos, nervos, entranhas e órgãos. Viva, eu ordeno, viva!
Pouco a pouco a argila ia se modificando. Sua textura ficava mais macia, suas cores mais rosadas. Até que se transformou em um ser humano. Mas continuava inerte, abandonado sobre o chão de terra. Prometeu respirou fundo. As sensações intensas que tomavam conta de seus sentidos foram se tornando mais suaves. E novamente um forte arrepio sacudiu seu corpo. Parou e olhou para figura humana, deitada a seus pés.
— Céus! Acho que consegui! Que maravilha, que coisa espantosa! Como pude fazer isto?
Calou-se subitamente. E naquele momento compreendeu que não fora exatamente ele quem realizara aquela proeza.
— A Rainha Alseídes! — exclamou — De alguma maneira, ela tomou conta de minhas palavras e de meus gestos! Mas como pode ser isto?
Olhou novamente a figura inerte.
— Mas ele ainda não vive... E agora, o que fazer?
No mesmo momento, lembrou-se as recomendações da rainha das ninfas do bosque sagrado: "Quando a lua desaparecer totalmente, pegue do fogo da carruagem de Hélios". Sentou-se e esperou. Quando a fome chegava, bebia água de uma nascente próxima e comia uns cogumelos que brotavam agarrados a um tronco úmido. Fascinado, contemplava sua criatura. Às vezes adormecia, abandonava o corpo de matéria e flutuava pelo espaço.
De longe, via Zeus e outros deuses procurando por ele em todos os cantos. E então soube também que a rainha Alseídes tratava de ocultá-lo. Teve um momento em que pensou: Como pode ela ir contra a vontade do próprio Zeus? Quem é a rainha das Alseídes? Uma fada, uma ninfa, espírito da natureza, o que, afinal?" E a resposta vinha de algum lugar, muito dentro de sua mente:
— Eu sou aquela que sabe os segredos da Natureza, aquela que controla o crescimento da vida. Nada mais me importa. Somente a vida, somente a existência física.
E Prometeu continuou aguardando. Os dias passavam e Selene, a lua, ia se tornando um risco fino e curvo no céu. Prometeu novamente dormiu. Projetou-se no espaço, no negro infinito dos céus e foi direto às estrebarias onde descansavam os cavalos de fogo de Hélios.
Um pouco afastada, parada entre dois pés de funcho, viu a carruagem ígnea, que brilhava contra a escuridão que se expandia pelo Nada. Chegou bem perto recolheu o caule do funcho e estendeu as mãos, sem medo. Sentiu as chamas emanarem através das planta que ele segurava, era uma sensação de alguma coisa quente e vibrante, que escorria por seus braços e entranhava-se em seu ser espiritual.
Encheu as mãos com aquela coisa vibrante, apanhando desta forma uma centelha do fogo celeste, privilégio de Zeus, ocultou-a na haste de uma férula. De posse do fogo que criava a Vida, afastou-se apressadamente. Chegou à gruta, viu seu próprio corpo denso adormecido, mas sentiu que não devia ainda ocupá-lo.
Olhou em volta, intuitivamente procurando algo que não sabia o que era. Seus olhos pousaram em uma pedra lisa e côncava. Em sua depressão, colocou o fogo sagrado. E só então voltou a seu corpo físico. Levantou-se. O brilho do fogo ofuscou sua visão. Apertou os olhos e aproximou-se do ser inerte que jazia no chão, esperando o sopro que lhe daria a vida. Parou e fechou os olhos.
— Rainha dos bosques sagrados — balbuciou tremulamente — eis-me aqui, novamente suplicando seu auxílio. Ilumine meu coração e minha mente, para que eu seja capaz, neste momento sagrado e único, de dar a vida a esta criatura. Seja ele o senhor de toda a criação física.
Calou-se. Logo em seguida começou a sentir um calor que chegava, que ocupava seu corpo e sua mente, que o incitava a mover-se em direção à pedra côncava que brilhava, cheia do fogo sagrado. Pegou a pedra e e chegou bem perto da criatura.
— Ser que dorme seu sono eterno e incriado, eis-me pronto a dar-lhe o sopro da vida.
Prometeu percebeu vagamente que não era mais ele quem falava. A presença da Alseídes em seu interior era tão forte que não deixava nenhuma dúvida possível. Continuou:
— Que o grande Espírito permita que seja ele um depositário do fogo sagrado.
Num movimento suave, deixou verter sobre a criatura o fogo que brilhava na concavidade da pedra. Viu que ele escorreu pelo corpo inerte, percorrendo canais sutis em sua estrutura. Por fim, dividiu-se em duas partes. Uma delas colocou-se na base da coluna e a outra no coração. Uma força impulsiva fez com que Prometeu chegasse seu rosto ao rosto daquele ser que criara. Sua boca parou muito perto daqueles lábios ainda adormecidos e ele falou num sussurrou:
— Este é o fogo sagrado e com ele esta assegurada a superioridade dos homens sobre os outros animais. Eu lhe insuflo o sopro divino.
Colou sua boca à da criatura e soprou com brandura. Imediatamente percebeu um ligeiro suspiro brotar dos lábios sob os seus. Afastou-se e observou. O ser respirava levemente. Pouco depois a respiração tornou-se mais forte, e ele abriu os olhos. Prometeu levantou-se, admirado. Olhou sua criatura que despertava do sono eterno para a vida física. E sorriu, gratificado.
Viu que o ser, agora vivo, estendia-lhe uma das mãos, como que pedindo auxílio. Segurou aqueles dedos quente e macios e ajudou-o a erguer-se. E ali estava, à sua frente, sua própria criação! Com a mão direita, tocou-lhe o centro da fronte.
— Você agora faz parte do mundo criado, você existe e, como ser vivente, será responsável pela manutenção do mundo de Gaia. Você é divino e humano. Você é o Homem.
O Homem sorriu e olhou em volta, surpreso com tudo que o rodeava. Depois deu um passo, e mais outro. Lentamente, aproximou-se da entrada da gruta. Parou e olhou o céu estrelado. Deixou que seus olhos se perdessem na imensidão.
E, pela primeira vez, o homem teve saudade. Saudade da origem, saudade de algum lugar que não sabia onde ficava, talvez saudade do calor do fogo, cuja parcela ínfima trazia em seu corpo, ou talvez saudade da inconsciência que deixara e que o aproximava tanto do Todo. E, pela primeira vez, o Homem chorou...
Zeus ficou furioso quando Hélios, o sol, que tudo presenciava durante sua caminhada de um lado para o outro do horizonte, contou-lhe que vira o Homem passeando entre as árvores do bosque. Hera chegou e parou de longe, vendo a fúria incontida de Zeus.
— Mas o que aconteceu? — perguntou, preocupada.
— Ele fez o Homem! Prometeu criou o Homem, desobedecendo às minhas ordens!
A senhora do Olimpo chegou-se mais perto e falou com brandura:
— Ora, se não deseja o Homem, por que então não o destrói de uma vez?
Zeus parou e olhou-a. Ia dizer alguma coisa, mas Hélios o interrompeu:
— O Homem é imortal! Não conseguirá destruí-lo. E é também de constituição andrógina. Com certeza irá se reproduzir.
Zeus olhou com espanto a face luminosa de Hélios.
— Tem certeza disto?
Hélios sacudiu afirmativamente a cabeça, espalhando gotas luminossas em volta de seu rosto.
— É verdade, Zeus! Ele conseguiu fazer um ser material perfeito.
Zeus cerrou as mãos e brandiu-as no ar.
— Há de haver um meio de destruir essa criatura! Não permitirei que prolifere e tome conta dos nossos domínios físicos!
Os descendentes deste primeiro homem, no entanto, logo entraram em desavença com o pai supremo, Zeus — como acontece com todo bom filho.
— Como se atrevem a levantar a mão contra o senhor do Olimpo, podem ser imortais, mas ainda assim posso fazê-los sofrer...
Graças a ajuda de Prometeu que forneceu o fogo da carruagem de Hélios, os homens passaram a fundir o metal e criar armaduras, motivo pelo qual tal era foi chamada de Geração de Bronze. Com ele também os homens passaram a domesticar os animais, cruzar oceanos, dar maior conforto à sua vida.
Esses fatores deixaram Zeus furioso, pois este temia que os humanos se tornassem mais poderosos que os deuses. Com esse pensamento, Zeus passa a castigar os humanos, como um modo de puni-los por terem a dádiva do fogo.
E a primeira atitude foi tomar dos homens o fogo um dia furtado por Prometeus. Sem o fogo, todo e qualquer trabalho humano era muito difícil ser executado, nem poderiam os homens cozer os alimentos. E comentou consigo mesmo:
— Veremos se vão gostar da carne sem cozê-la. Agora talvez não pensem que seu ardiloso amigo Prometeu lhes fez algum favor.
E disse a Prometeu:
— Filho de Japetos(Ἰαπετός), cuidado com minha ira, pois sabes o quanto posso ser cruel quando quero punir.
Agora estavam sem o fogo, que lhes dava o calor necessário aos seus corpos desprovidos de penas ou de pelo espesso. Deste modo o homem também ficava privado do elemento fundamental para que pudesse continuar a fabricar suas armas e ferramentas.
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