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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Capítulo 21: ATHENA, A DEUSA DA SABEDORIA

ATHENA(Ἀθάνα). Por Genzoman.

Hera(Ἥρα) há algum tempo observava Zeus(Ζεύς), discretamente. Percebia que algo interno acontecera recentemente com o deus, algo que o deixara com uma expressão pensativa, os olhos iluminados e nos lábios um sorriso cheio de paz.



Tudo começou no dia em que Métis, sem que ninguém soubesse o porquê, abandonara seu corpo físico. Mas o que havia acontecido afinal? Zeus nada falava, mas Hera intuía que ele guardava algum segredo.

E Zeus, distraído, não reparava no olhar perscrutante da esposa. Mergulhado em suas recordações, procurava reviver mentalmente as lembranças que tinha junto com Métis, sua primeira amante, aquela que, com ele, fizera a maravilhosa descoberta das sensações do amor físico.

Era uma manhã muito fria. Zeus entrou nos aposentos de Métis e encontrou-a recostada na cabeceira do leito, enrolada em uma grossa manta. Sentou-se a seu lado e acariciou seus longos cabelos.

— Métis, meu amor, quase não a tenho visitado ultimamente. Sinto muita falta sua, mas ando tão ocupado, resolvendo tantos problemas...

Ela sorriu palidamente.

— Não se desculpe, meu senhor. Sei que enfrenta sérias dificuldades. Escuto dizer que os homens, criação de Prometeu, estão causando sérios danos no mundo de Gaia.

— É verdade, — concordou Zeus, em meio a um suspiro profundo — eu sabia que não ia dar certo. Eles são irresponsáveis, não respeitam a vida nem a Criação. Os espíritos da natureza se sentem agredidos, a terra ferida, os animais são mortos sem necessidade. Os homens são imortais e se multiplicam com uma incrível rapidez!

Métis ajeitou-se melhor e segurou a mão forte de Zeus.

— Estou certa de que encontrará um meio de resolver este problema com sabedoria.

— Tenho pensado muito, mas não quero me precipitar. Sei que não sou tão prudente como você, minha amada.

Beijou-a carinhosamente.

— Seus lábios estão tão frios quanto suas mãos. O que há, Métis? Não se sente bem?

Ela esboçou um sorriso triste.

— Estou apenas um pouco preocupada. Nada de mais...

— E não vai me contar o motivo de sua preocupação? Pretende esconder algo de mim?

— Nunca, Zeus! — exclamou Métis, mas sem muita veemência — Apenas não quero passar-lhe meus temores.

Zeus segurou-lhe a ponta do queixo delicado e fez com que olhasse em seus olhos.

— Vamos, agora diga-me o que a aflige.

Métis custou um pouco a responder, mas não desviou o olhar.

— Vou ter um filho — falou, afinal.

Ela sabia que aquela revelação iria abalar profundamente o supremo deus do Olimpo. Todos conheciam a profecia que Gaia(Γαῖα) fizera, logo que o amor dos dois tornou-se sabido pelos deuses.

—  Zeus, preciso muito lhe falar — disse um dia Gaia, sua avó.

A velha deusa, que engendrara Crono(Κρόνος), o pai devorador de filhos, tivera um sonho profético no qual a antiga e violenta maldição familiar de filhos destronarem os pais ameaçava recomeçar.

— Agora será com você,  Zeus, que a história vai se repetir! — disse a Gaia, perfurando as nuvens com sua bengala de pedra.

Na mente da deusa passou, como num relâmpago, todo o seu tormentoso passado com o brutal Urano, que a obrigara a esconder em seu ventre todos os filhos gerados por ele. Depois enxergou seu filho Crono chegando em casa com a foice ensanguentada e o ar aliviado do jovem que triunfa, afinal, sobre a tirania decrépita dos pais.

Afirmava Crono, ao destronar o próprio pai.:

— Seu odioso marido está mutilado e o poder agora é todo meu!

Zeus bradou despertando Gaia de seu devaneio:

— Não diga tolices, minha vó! Quem se atreverá a levantar mão ímpia contra o soberano do mundo?

A velha deusa sorriu. Fora esta mesma frase que Crono envelhecido repetira, um pouco antes de seu próprio filho Zeus expulsá-lo do trono, tornando-se o novo e supremo mandatário do Universo.

— Não se case com Métis,  advertira Gaia, com severidade —, pois de seu ventre sairá aquele que trará a sua ruína.

Zeus, incrédulo afirmara:

— Métis, a deusa meiga e de olhos mansos como a corça será capaz, então, de gerar tal monstro?

— Sim, seu tonto, a meiga e de olhos mansos como a corça! — bradara Gaia, cujas palavras, com a idade, iam perdendo o mel da paciência. — Na verdade serão dois filhos;  a primeira, Tritogenia, seria igual ao senhor do Olimpo em força e sabedoria, será uma mulher, a mais justa e sensata das deusas, que só lhe trará alegria e motivo de orgulho...

Zeus sentiu um alívio percorrer suas divinas entranhas. Então Gaia prosseguiu:

— Mas cuidado com o segundo! Ele será o rei de homens e deuses,será o flagelo de sua existência. Muito mais insubmisso do que seu pai ou você próprio, ele o destronará sangrentamente, tomando o seu lugar para todo o sempre. E com o filho dele acontecerá o mesmo, e assim por diante, até que alguém decida pôr um fim a esta orgia de parricídios.

Na época, Zeus estremecera ante aquelas palavras. Durante um longo tempo os dois estiveram em silêncio. De vez em quando Zeus erguia os olhos para a avó, que permanecera parada à sua frente, apoiada ao seu cajado; em seus olhos inflamados pela profecia brilhava ainda, com a mesma intensidade, a luz ofuscante da determinação.

— Ser substituído? Jamais. Lembrou-se de como usurpara o poder de Crono, seu pai. — Não deixarei que um filho meu faça o mesmo comigo. Nunca!

Mas logo esquecera-se da profecia, em meio a outros amores e a tantos filhos. Mas agora, ali estava a realidade a lembrar-lhe, novamente, as palavras de Gaia. Zeus levantou-se, nervoso, e começou a caminhar de um lado para outro, enquanto Métis procurava adivinhar sues pensamentos, vasculhando-lhe o rosto com o olhar aflito. Quando percebeu a agonia da moça, Zeus procurou tranquilizá-la.

—Adorável Métis, meiga e de olhos mansos... — disse Zeus interrompendo-se.— Não fique assim, minha querida. Havemos de encontrar uma solução.

— Não vejo outra senão afastar-me para sempre do Olimpo. Desta forma, não terei o segundo filho seu, aquele que irá destroná-lo.

Zeus sentou-se novamente a seu lado e enlaçou-a com suavidade.

— Como poderia viver longe de você, Métis? Preciso de seus conselhos, de sua sabedoria e de sua prudência. Preciso de seu amor, de seu corpo e de seus carinhos. Mas, confesso, não posso deixar vir ao mundo aquele que me substituirá. E este filho que traz no ventre, se for uma mulher, sem dúvida dará início a este destino irreversível.

Métis encostou a cabeça no ombro forte do senhor do Olimpo.

— Zeus, compreendo sua apreensão e estou pronta a cumprir aquilo que me determinar. Eu o amo muito e não quero prejudicá-lo.

Zeus olhou-a nos ombros, procurando neles alguma solução.“Tão meiga e tão feminil ao mesmo tempo!”, pensava, enquanto deslizava os dedos pelas curvas simetricamente perfeitas das costas da encantadora Métis. Um forte magnetismo brotou, envolveu-os e não deixou que seus olhos se desviassem um do outro. E foi o mesmo magnetismo que uniu seus lábios e fez com que seus corpos se juntassem com ardor. Desapareceram a preocupação, o frio, as mantas, as vestes, e só ficou o calor daquele contato.

Zeus, esquecido das advertências de sua avó, passou o resto do dia nos braços da divina amada, descobrindo a cada instante, em seu corpo, novos e insuspeitados mistérios. Pele na pele, a energia circulava pelos dois, como que seguindo caminhos em um único ser e fez surgir pequenas cintilações em volta de seus corpos nus. E um estranho torpor começou a tomar conta da mente de Métis, amortecendo-lhe a consciência. Como num sonho, sentia o corpo estremecer de prazer e a alma esvair-se pelo plexo solar. Houve um momento em que quis gritar, mas Zeus calou-a com a pressão de sua boca.

De repente, Métis perdeu a consciência de si mesma e deixou-se tombar para trás, docemente. Zeus, no rito de um orgasmo intenso, segurou-a ainda contra si, os ventres colados, sentindo que junto com aquele êxtase, absorvia para si o espírito de Métis. E, quando abriu os olhos, viu o corpo inerte da moça frouxo em seus braços, a cabeça caída e os cabelos espalhados sobre o leito. Mas, dentro de si, pulsava a alma de Métis. Consigo e para sempre estava sua sabedoria, sua prudência e seu amor. Quando os deuses chegaram, encontraram apenas o corpo inanimado de Métis. Surpresos, entreolharam-se.

— Os deuses são imortais! Como pôde acontecer isto!

Zeus respondeu tranquilamente.

— Métis não morreu. Apenas resolveu abandonar o corpo físico para levar uma vida puramente astral. Foi a opção que achou melhor para si e que devemos respeitar.

— E o que fará com seu corpo? — perguntou Hera. — Vai transformá-lo em constelação?

— Não — respondeu Zeus, pensativo — Ardente como sempre foi, será entregue ao fogo e suas cinzas o vento levará e depositará nos quatro cantos do mundo. "Pronto, minha amada" — pensou ele. "Agora estamos unidos para sempre."

Imediatamente o deus retornou para junto da avó, como obediente neto que era, e lhe comunicou, cheio de orgulho:

— Minha vó, acabei de absorver a essência da formosa Métis!

— Menino sujo! — gritou a velha, dando uma bastonada em sua cabeça.

Custou um pouco, mas afinal Zeus conseguiu fazer a velha entender o que quisera dizer e acabou mesmo elogiado por ela...

Os meses se passaram mas Hera continuava com os olhos pregados no rosto de Zeus. Sem dúvida, algo acontecera ao senhor do Olimpo. "Mas o que poderia ser?" — pensava a senhora do Olimpo. Zeus, perdido em suas recordações, nem via o olhar de Hera. Apenas procurava adaptar-se às recentes sensações que a existência astral de Métis, em seu interior, provocavam.

Era algo indescritível. Nos primeiros dias, podia senti-la perfeitamente distinta de sua própria consciência. Mas com o tempo houve uma fusão, como se a existência de Métis tivesse se integrado totalmente ao seu ser interior.

"Um dia descubro o que aconteceu" — pensava Hera, cheia de curiosidade. "Ou talvez ele mesmo acabe por me contar."

Os dias passaram e as apreensões foram se desvanecendo, ate que, certa manhã, Zeus acordou com uma terrível dor de cabeça. O senhor do Olimpo fez uma careta de dor e segurou a cabeça entre as mãos. Hera esqueceu-se de tudo e aproximou-se dele. Mas, antes que o tocasse, ele deu um grito e levantou-se, cambaleante.

— O que houve, Zeus! — perguntou ela, aflita — Sente alguma dor?

— Céus, o que é isto em minha cabeça? — urrava ele — Minha cabeça! Que dor insuportável! Parece que vai explodir!

Todos os deuses acorreram para ver que gritos eram aqueles. O deus dos deuses gemia, enquanto os demais se agitavam em torno. E a dor piorava a cada instante. Nervosa, Hera não sabia como ajudá-lo, se é que cabia alguma ajuda, naquele momento.

— Sua cabeça cresceu assustadoramente! — disse Hermes, espantado.

— É da ambrosia... Eu disse pra não abusar! — gritava, aflita, a sua mãe, Rhéia.

Zeus gritava e batia com a cabeça nas paredes de pedra, procurando inutilmente um alívio.Seu sofrimento era tanto que o deus urrava de dor e de raiva, fazendo a Terra e o céu tremerem. Até que, com uma pancada mais forte, sua cabeça rachou-se ao meio. Dela saiu Um jato de luz ofuscante que escapou pela rachadura, fazendo com que os deuses corressem para todos os lados. De dentro da cabeça de Zeus surgiu, então, uma outra cabeça, revestida com um magnífico capacete dourado.

Um grito de espanto varreu o Olimpo inteiro.Logo em seguida surgiu o resto do corpo da criatura, uma mulher, vestida inteira, dos pés à cabeça, com uma reluzente armadura e lançou aos ares um grito de guerra.

— Honra e Paz para você, divino pai e senhor absoluto do Universo! — disse a criatura, após encerrar a sua magnífica dança marcial. — Sou Athena(Αθηνά), sua filha, gerada de seu sêmen para cumprir as suas ordens.

Zeus caiu, desacordado. Hera encostou-se a um canto do aposento e, estupefata, viu a jovem realizar no quarto uma dança de guerra. Por magia dos deuses ou por capricho de um universo ainda em organização, havia momentos em que o futuro e o passado coexistiam e Athena, guerreira que era, foi imediatamente lançada num turbilhão e viu-se lutando ao lado de seu pai, na guerra dos Titãs.

Depois então Athena retomou sua dança bélica no quarto onde Zeus, desacordado no chão, nem sabia ainda do seu nascimento. A cabeça de Zeus foi se recompondo e, tão logo a jovem terminou sua dança, ele retomou a consciência e levantou-se com dificuldade.

— Céus! — exclamou, olhando surpreso para a jovem guerreira — É a filha de Métis! Desenvolveu-se em mim e nasceu das minhas meninges!

Aproximou-se da moça e tocou-lhe a fronte.

— Athena! Seu nome é Athena, minha filha muito amada! Será a deusa das guerras e protegerá as cidades. Mas cuidará também da fertilidade do solo e insuflará a inteligência e a razão em todos os que evocarem o seu nome. Olhará pelas artes, pela filosofia, e por todas as atividades do espírito. Filha querida, eu a protegerei sempre, sob o manto do amor.

 Zeus ficou encantado com a nova deusa que havia surgido — parida por ele próprio! — e com suas filiais e piedosas palavras. E houve momentos em que os deuses se exasperavam ante a complacência de Zeus para com Athena.

— Como pode ele ceder a seus pedidos caprichoso? Para ela, nunca tem uma palavra ou gesto de censura.
Mas Zeus apenas sorria e afagava a cabeça altiva da jovem guerreira.

Assim veio ao mundo a mais benemérita das divindades: Athena, deusa da sabedoria, do trabalho e das artes. E quanto as negras previsões da velha Gaia, que ameaçavam Zeus com a chegada de um segundo e destruidor filho, deram, felizmente, em nada. Zeus ousou então debochar da anciã.

— Minha avó, suas profecias são furadas!

— Imbecil, furada e sua cabeça-de-vento! — disse a velhinha, que nada tinha de caduca. — Bem se vê que fugiu o resto de sabedoria que havia na cachola.

E depois de assestar uma bela pancada na cabeça do neto, completou:

— Pois honre a mim, então, que sou a única divindade competente o bastante para fazer reverter uma funesta profecia... 

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