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quarta-feira, 3 de julho de 2013

Capítulo 23: HEFESTO E A ASCENSÃO DO DEUS DA METALURGIA, FOGO E VULCÕES

HEFESTO (Ἥφαιστος ). Por Genzoman.

Hera(Ἥρα) passara a noite toda acordada, sozinha em seu quarto, esmurrando as cobertas, mordendo os lábios, com raiva.Não suportava a ideia de Zeus(Ζεύς) preferir a companhia de sua filha Athena(Ἀθάνα) ao invés da dela. Remoendo seu despeito, resmungava baixinho:


— Não consigo compreender porque Zeus depois de sua obsessão em destruir os homens fica sempre ao lado da filha, confabulando. Não vê que ela pretende mesmo é tê-lo nas mãos, como um brinquedo? Mulher altiva, mais parece um homem, um guerreiro!

Começou a caminhar pelo quarto, com passos duros.

— Tudo isto porque ele conseguiu gerar aquela criatura sozinho, como uma mulher! Que grande coisa! Como se ele, deus que é, não pudesse fazer o filho que bem entendesse e da maneira que quisesse. Bolas, ela o enfeitiçou!

Chutou uma peça de roupa, caída no chão, para um canto da parede.

— Quem poderia imaginar uma coisa destas! Zeus parindo pela cabeça! E pior é que, desta forma, conseguiu uma filha perigosamente inteligente! Sim, não posso negar, Athena é muito inteligente e corajosa. Realmente, é uma guerreira. Mas falta-lhe a meiguice feminina, a ternura, as demonstrações de carinho tão próprias de uma mulher. Mas ele não vê nada disto! Só quem não quer não vê que Zeus está totalmente cego de vaidade e orgulho, por ter gerado Athena sozinho. Tolo!

Parou e pensou um pouco. De repente, seu rosto se iluminou.

— Mas é claro! Como não pensei nisto antes? Eu sou uma deusa também! Por que não posso ter um filho meu, somente meu, sem o auxílio de Zeus ou de qualquer outro deus?

Um sorriso enfeitou seu rosto de feições duras, mas bonitas.

— Terei um filho belo e corajoso, bom e justo, guerreiro e amoroso!

Calou-se e meditou. Fechou os olhos e mergulhou em profunda concentração. Por várias vezes os outros deuses a chamaram, mas ela não ouviu, tão absorta estava procurando dentro de si o meio de gerar seu filho sozinha. A brisa da manhã agitou seus cabelos, o vento da tarde passou, Helios(Ἥλιος) recolheu sua carruagem de fogo nas estrebarias da noite e Selene surgiu, linda em seu carro de prata, espalhando beijos de luz pela tela negra do universo.

E só então Hera abriu os olhos. Levantou-se, jogou uma manta grossa nos ombros, sobre as vestes diáfanas, e partiu. Os pés descalços ocultavam-se na relva macia e ela parecia deslizar entre o colorido das flores. Começou a subir em direção ao ponto mais alto do Olimpo. Os olhos, parados no caminho à sua frente, mostravam ter sua mente mergulhado em profundo transe.

Pouco depois, chegava ao topo do monte, ao Santuário dos Santuários. Lá os deuses se reuniam para meditar e receber mensagens do Grande Espírito. De longe, a entrada da caverna onde fora erguido o Santuário, parecia uma mancha negra sobre a pedra muito lisa e nua, que durante o dia tingia-se de ouro, e
à noite iluminava-se de prata, enfeitando o negro do céu.

Hera entrou na caverna e dirigiu-se ao altar central. Ajoelhou-se, sentou-se nos calcanhares e curvou o corpo até apoiar a cabeça sobre os joelhos, num gesto de profunda reverência. Depois levantou-se, juntou um punhado de terra, um pouco de água pura que minava de uma pedra rachada, algumas ervas aromáticas e um pequeno ramo de loureiro. Consagrou tudo, ateou fogo às ervas aromáticas, juntou a terra e a água e soprou nesta mistura. Enquanto isto, de seus lábios saíam palavras mágicas e ininteligíveis, que reuniam com o poder de seu som as forças cósmicas criativas.

Depois de tudo feito, Hera despiu-se e deitou-se sobre a pedra lisa que compunha o altar central. Sobre o ventre, pouco abaixo do umbigo, amontoou a mistura de terra e água e sobre ela colocou o pequeno ramo de loureiro, que simbolizava a divindade do ser que iria gerar. E novamente seus lábios emitiram as palavras encantadas, que fizeram girar em espiral a fumaça das ervas aromáticas, que oscilaram as labaredas do fogo que cresceu e estendeu seus dedos ígneos em direção ao infinito, atraindo de lá as energias criativas do cosmos para o interior de seu ser, fecundando-a.

Pouco depois o fogo se apagou, as ervas estalaram num último alento, a magia cessou. Hera retirou do ventre a terra molhada e o galho de loureiro e levantou-se. Respirou fundo e sorriu. Vestiu-se novamente e ajoelhou-se, em reverência. Mas não reparou que o ramo de loureiro que colocara sobre o ventre, durante todo o ritual, tinha um pequeno galho quebrado...

Quando os deuses souberam que Hera ia ter um filho, exultaram.

— Hera vai ser mãe!—  espantou-se Ártemis.

— Meu primeiro filho! — dizia ela, orgulhosa, a todo instante.

— Com toda a certeza ficará bastante ocupada com a criança e deixará Athena em paz. Zeus deve estar feliz! — indagou Apolo.

Mas pouco duraram os comentários, pois Hera fez questão de anunciar que o filho que esperava era somente seu.

— Viram só? Hera ficou com inveja de Zeus e resolveu gerar sozinha também!

Zeus pouco se importou. Tantos filhos já tinha que mais um ou menos um não iria fazer diferença. Além do mais, aquele filho seria um ótimo remédio para o despeito de sua esposa.

O Olimpo inteiro aguardava com ansiedade irreprimível o nascimento do primogênito de Hera. Que tal seria? Teria a audácia viril ou puxaria à beleza austera ? E que inclinações traria do ventre? O gosto pelas batalhas? O pendor bucólico dos pastores? Ou, quem sabe, o refinado talento do artista? Todas as indagações ficaram suspensas nas línguas, pois Hera estava agora prestes a parir o bebê tão esperado.

De repente um grito atroou pelos corredores do palácio de Zeus.

— Não, não... Meu filho, isto?!

Tais foram as primeiras palavras ditas pela mãe, ao receber nos braços a criança recém-nascida. Hera ficou furiosa. Em vez da criança bela e graciosa que julgava que iria ter, ganhou um garoto feio e coxo, de cor escura, como que encardido ou chamuscado, e que produzia feições horríveis quando chorava . O choro horrendo do bebê não cessava; não era, nem de longe, aquele choro forte e melódico que se esperaria do filho da senhora do Universo. Não, aquilo não era um choro, mas um guincho rouco e desprovido de qualquer encanto ou harmonia.

Zeus, constrangido, afastara-se da deprimente cena — o primeiro drama doméstico e familiar de uma série que teria de enfrentar. Hera, envergonhada daquele guincho humilhante, tapava os ouvidos, pressionando com toda a força a polpa dos dedos roídos sobre a entrada de suas divinas orelhas. Mas o ronco, o guincho, o chiar, o estrídulo, o relincho, o que quer que fosse aquilo, não cessava nunca.

Hera, a seu turno, com a cabeça voltada em direção oposta ao berço onde estava o bebê, roia as unhas. “Eu, Hera, rainha do Céu, mãe de um demônio”, pensava.

— Basta, criatura! — disse  Hera , pondo-se em pé com decisão. — Deve ter havido, afinal, algum engano. Com este corpo de tritão, deve ser filho de Poseidon, rei dos mares. Volte, pois, para o seu lar.

Hera, cega de desgosto, ergue a criança do berço. Num esforço supremo o garoto ainda tenta um último estratagema: dar à mãe um sorriso terno e alegre.

— Olha a boca esgarçada! Vai chorar de novo! — diz  Hera , cega de ódio.

Então, após rodopiar por duas vezes no ar a infeliz criança, arremessa-a do alto do Olimpo.  E a criança caiu, caiu... E caiu durante todo o dia, rodopiando pelos ares. Seu destino parece ser o revolto mar que se abre lá embaixo, como uma goela azul e escancarada, pronto para tragá-lo em suas profundezas. “Escondido bem no fundo do oceano, ninguém jamais o descobriria!”, pensara a deusa, um instante antes de arremessá-lo. 

Foi somente à noitinha que, enfim, se abateu sobre a ilha de Lemos. Ficou desmaiado na praia durante muito tempo, acariciado pelas espumas das ondas.

— Que espantoso ruído foi esse? — pergunta Eurínome(Εὐρυνόμη), filha de Tétis(Τηθύς) e do Oceano, à sua mãe.

— Algo caiu do céu direto em nossos domínios — exclama Tétis, a mais bela das filhas de Nereu.

— Vamos ver o que é! — grita Eurínome, seguida de imediato pela mãe.

— Olhem! Olhem! — gritou uma voz alegre e quase infantil. — É um menino!

Hefesto(Ἥφαιστος) abriu os olhos cheios de areia e viu as deusas do mar que, preocupadas, procuravam animá-lo.

— De onde terá vindo? Foi o mar que o trouxe?

— É filho de Poseidon?

Uma moça loura, de cabelos muito finos e longos, aproximou-se e espiou também.

— Ele veio do alto, do Olimpo, vi quando caiu.

— Do Olimpo? — exclamaram as outras, espantadas, olhando para cima, para o monte que se erguia apontando para o céu.

— Coitadinho!... Que tombo feio!... Vamos levá-lo conosco.

E levaram a criança para uma gruta submarina, onde foi tratado pelas deusas do mar. O pequeno ser pedala seus pezinhos e faz uma careta de choro para aquela estranha que o tem em seus braços.

— Veja, que lindo sorriso! — diz Tétis, encantada.

Ao escutar essas palavras o serzinho se anima e remete agora, no melhor de seus pequenos esforços, aquilo que pretende ser o mais grato dos seus risos.

— Veja, Eurínome, ele sorri de novo! — exclama Tétis.

Envolto em um cobertor, o garoto é levado para o fundo da calorosa caverna. 

— Aqui ele estará aquecido, o pobrezinho! — diz Eurínome, beijando a testa cabeluda do pequeno deus, que conhece pela primeira vez o significado de um gesto chamado carícia e de um sentimento chamado afeto.

As duas estão preparando a nova morada para o bebê, quando Tétis, voltando-se para onde o bebê estava, percebe que ele sumiu.

— Onde se meteu este menino? — perguntam-se as duas nereidas.

O garoto, engatinhando, metera-se numa escura furna. Atraído pelo fogo da lava que agitava-se nas profundezas da terra, lá vai ele, destemido, descobrir o que é aquilo. Será um pedacinho desprendido do sol, que escorreu do céu para ir meter-se dentro da terra?

Um grito rouco atrai a atenção de Tétis e de sua filha.

— Ouça, ele deve estar nas grutas!

Elas o encontram sentado, com um pedaço de ferro metido entre os dedinhos chamuscados; um trejeito de dor denuncia que ele e o Fogo já foram apresentados.

— Veja, ele sorri mais uma vez! — diz Tétis, encantada.- Entretanto, o cumprimento do Fogo, seu novo amigo, não foi dos mais delicados. Mas este garoto já descobriu que o melhor é ir logo descobrindo o que o mundo tem de mau e perigoso. Afinal, esta lição ele aprendeu do berço.

— Já que gosta tanto de vulcões, vamos chamá-lo de Hefesto (Ήφαιστος) — diz Tétis a Eurinome. 

— Excelente nome! — brada a outra. — Hefesto. Hefesto. Hefesto. 

O garoto volta-se misteriosamente para as duas. Nos seus dedinhos chamuscados brilham duas pequenas coisinhas, delicadas e douradas.

— O que você tem aí, meu moleque?

Com um brilho radiante nos olhos, o pequeno Hefesto estende às suas duas mães adotivas dois pares de maravilhosos brincos, que ele mesmo confeccionara.

— Por Zeus! — diz Tétis, com um riso cristalino que ecoa pelas paredes da profunda gruta. — O danadinho é um artista!

Sim,  Hefesto, acossado desde o primeiro instante pelo infortúnio, é alma forte e lúcida, com discernimento bastante para fazer mudar em beleza a dor que o destino lhe remete. Assim cresce o pequeno, metido em sua forja nas profundezas da terra, confeccionando as mais belas peças de ferro, bronze e metais preciosos de todo tipo.

Logo mostrou-se interessado em trabalhar com os metais que os duendes extraíam das pedras. Suas mãos de artista forjavam objetos delicados, muito bem trabalhados, e com eles as deusas do mar se enfeitavam. Vendo a habilidade de Hefesto com os metais, as deusas do mar o encaminharam à gruta de Cedalion(Κηδαλίων), um anão que trabalhava com metais preciosos. E Hefesto viveu nesta gruta durante nove anos de um tempo que não existia.

Aos poucos, as peças criadas por Hefesto iam se tornando cada vez mais delicadas. Cedalion, vendo o rapaz concentrado no trabalho, pensava:

— Pobre rapaz! Tão feito e coxo, mas que mãos habilidosas tem! De onde terá vindo?

Às vezes julgava que Hefesto podia ler seus pensamentos, pois sempre que perguntas sobre sua origem lhe vinham à mente, o rapaz estremecia, parava de trabalhar e seu olhar, por instantes, afastava-se do metal e perdia-se no infinito. Um dia, Cedalion não se conteve e perguntou:

— Hefesto, quem é você realmente?

O rapaz continuou a trabalhar como se não tivesse escutado a pergunta. Depois, respirou fundo e respondeu simplesmente:

— Sou filho de Hera.

A surpresa de Cedalion foi tanta que deixou cair suas ferramentas.

— Filho de Hera, a inefável esposa de Zeus?

Hefesto disse sim com a cabeça e continuou a burilar a peça que tinha nas mãos.

— Meu filho — continuou Cedalion — não quer dizer para este seu amigo o que aconteceu realmente?

O rapaz empurrou seu trabalho para o lado e levantou-se. Capengando, foi à porta da gruta e olhou para o alto, onde o topo do Olimpo atravessava numa nuvem muito redonda. Voltou, parou em frente ao anão e pousou nele um olhar cheio de revolta.

— Sou feio, Cedalion, e sou coxo também. No Olimpo não há lugar para aleijados. Minha mãe não me quis e lançou-me lá de cima — apontou para o cume do monte. — Mas sou um deus, sou imortal e a morte não pôde me levar.

Cedalion observava, admirado, a indignação que se estampava no rosto de Hefesto. Em seguida tocou em seu braço.

— Hefesto, foi muito triste o que fizeram com você. Mas seu lugar é no Olimpo. Deve voltar para lá e reclamar o que por direito lhe pertence.

— E para quê? Para ser escarnecido e maltratado por minha própria mãe? Não, Cedalion, o Olimpo não é o meu lugar.

— Hefesto, desta vez não concordo com você. Que culpa tem de ser coxo e feio? No entanto, olhe as coisas belas que faz com suas mãos. São dignas do Olimpo! Suas jóias merecem enfeitar o colo das deusas. Pense bem. Deve arranjar um meio de voltar e de lá permanecer. Afinal de contas, os deuses foram injustos para com você.

Hefesto não respondeu, mas, daquele dia em diante, procurou aprimorar ainda mais o seu trabalho. Algum tempo depois, instalou uma ferraria na cratera de um vulcão e começou a forjar objetos maiores, como lanças, espadas e outras armas. Um dia, surgiu-lhe em sonhos uma figura velada, vestida numa túnica longa e
muito branca. Estendeu a mão direita com sua direção e falou:

— Você é o deus que ata e desata, e o poder de ligar e desligar, lhe é dado neste momento. Por sua vontade, unirá, prenderá e também pela mesma vontade soltará, desunirá. Saiba impor seus desejos e todos se curvarão ante seu poder.

Naquele dia começou a vingança de Hefesto. Tétis, que andara com saudades de seu filho adotivo foi visitá-lo e deparou-se com seu magnifico trabalho quando o indagou:

— O que é isto,  Hefesto querido?

— Um presente para Hera, minha mãe! — respondeu com um sorriso enigmático o jovem deus.

Fabricou um trono maravilhoso, todo em ouro e esculpido com finos e belíssimos desenhos cinzelados e reluzentes. Quando o trono ficou pronto, envolveu-o com a fumaça de umas ervas especiais, enquanto pronunciava palavras mágicas, colocando nele todo o encanto de sua Vontade. Em seguida, enviou-o de presente a sua mãe, no Olimpo. Hera recebeu o presente, maravilhada.

— Mas quem me mandou esta peça magnífica? — perguntou ao mensageiro.

Ele, nervoso, com ordens de Hefesto para não responder a nenhuma pergunta, gaguejou, confuso:

— Não sei, deusa. O trono veio da ilha, foi fabricado na cratera do vulcão por um admirável ourives, mas não sei seu nome.

Hera, extasiada, afagou o precioso trono, sentou-se. Durante o dia inteiro a rainha do céu despachou de seu novo trono.

— Vou comer aqui mesmo, em meu maravilhoso trono, a ambrosia e o néctar divinos — diz ela a Hebe(Ἥβη), a sua copeira.

Somente no fim do dia, quando seu traseiro divino começa a tomar um formato indigno da formosura curvilínea de uma deusa, é que ela pensa em erguer-se, afinal, de seu trono faiscante.

— Mas o quê? Como? O que se passa com minhas nádegas celestiais?  —  pergunta-se, ao tentar erguer-se sem sucesso. — Hebe, Hebe, corra já aqui!

A afoita Hebe surge correndo.

— Hebe, Zeus que me perdoe, mas não consigo levantar-me de meu maravilhoso trono!

— Ah,  Hera suprema, isto é compreensível! — diz Hebe, tentando ajudá-la com a maior dignidade possível. — Afinal, você não desgrudou vossas nádegas sublimes um instante do assento de vosso trono maravilhoso.

— Cale a boca e me ajude! — diz  Hera, com o rosto escarlate do esforço.

Ajudantes são chamados. Gemidos de dor percorrem os corredores enquanto tentam descolar a rainha do céu de seu trono maravilhoso, dourado e magnificamente cinzelado.

— Que lindas filigranas há aqui na base, deusa suprema! — diz um ferreiro, convocado  às pressas para desentalar a rainha do céu da prisão de seu sublime trono.

— Cale a boca e me tire daqui, maldito idiota, ou vou mandar fazer lindas filigranas você sabe onde! — grita  Hera, rainha do céu, começando a perder a realeza moral.

Ao cabo, nenhum dos deuses consegue libertar Hera. A magia de Hefesto prendeu-a no rico assento e nenhum dos deuses conseguiu libertá-la. Furiosa, apontou o dedo em riste para o assustado mensageiro.

— Vá, infeliz, e traga a minha presença o maldito ferreiro que fabricou este trono, para que me liberte de sua magia demoníaca.

O homem correu, apavorado. Pouco depois voltou, trazendo apenas uma mensagem que recitou aos atropelos, tropeçando nas palavras:

— Deusa Hera, o ferreiro enviou a seguinte mensagem, que procurarei transmitir sem nenhuma falha: "Meu nome é Hefesto e sou o seu filho coxo que foi lançado do alto do Olimpo, para que os outros deuses não viessem a conhecer a imperfeição da sua obra. Para soltá-la, minha mãe, imponho as seguintes condições: Quero viver para sempre no Olimpo e ter por esposa a mais formosa de todas as deuses, Afrodite(Ἀφροδίτ), a deusa do Amor. Se minhas condições não forem aceitas, não anularei jamais a minha magia.

Hera, pasma ante aquela revelação, mal conseguia balbuciar:

— Meu filho! Foi ele quem me impôs este castigo?

Afrodite aproximou-se de Zeus, apavorada.

— Zeus, vai permitir que se cumpra o desejo do ferreiro? Vai me dar em casamento a ele?

Zeus pensou um pouco, olhando fixamente para sua esposa que, irada, tentava mais uma vez, inutilmente, libertar-se do trono. Depois falou com voz pausada:

— Senti determinação na mensagem que Hefesto enviou e tenho a certeza de que não voltará atrás nas condições que estabeleceu. Imagino é o mínimo que poderemos fazer para compensá-lo por tanta injustiça.

Estendeu a mão e chamou Afrodite para junto de si.

— Afrodite, você foi a escolhida. Se Hefesto não é belo, mostra ser habilidoso e por certo fará você feliz.  E com sua forja possa sustentá-la e lhe dar todo o luxo e riqueza que sua beleza merece.Você é a deusa do Amor e saberá despertar nele a bondade e o amor.

Afrodite não respondeu. Apenas abaixou o rosto muito lindo e deixou correr uma lágrima, que desapareceu entre as pregas de sua veste. Dirigindo-se ao mensageiro, Zeus falou:

— Vá, homem, e diga a Hefesto que suas condições foram aceitas. Que venha para o Olimpo, porque aqui é o verdadeiro lar a que tem direito em virtude de sua origem divina. E diga também que Afrodite o aguarda para dar-lhe todo o seu amor.

E, carinhosamente, secou com a mão o rosto de Afrodite.

Momentos depois, chegava ao Olimpo o inigualável ourives.

— Quem é você, feia criatura? — pergunta-lhe uma das Horas, porteiras do céu. 

— O filho da rainha do céu — responde Hefesto. — Queira abrir os alvos pontões, subalterna. 

Hefesto, como se vê, já aprendeu perfeitamente a se defender. Quando o jovem feio, coxo e peludo apresenta-se nos salões do Olímpio, É recebido por um coro celestial de risos. 

— Isto aí, filho de Hera? — exclamam, incrédulos, os habitantes da morada dos deuses. 

— Vim tomar meu lugar de direito, espero que todas as minhas exigências sejam satisfeitas.

Os senhores do Olimpo concordam afirmativamente com a cabeça.

Afrodite é chamada e adentra ao recinto um pouco triste e cabisbaixa. Hefesto toma suas delicadas mãos e deposita nelas o beijo de seus rudes lábios, e remete a mais bela das deusas o seu melhor sorriso. 

“Ele me ama mesmo”, pensa Afrodite, “pois chora, diante de mim, de felicidade!” 

Assim Hefesto e sua mãe Hera fizeram as pazes, tornando-se o deus artífice amado e respeitado em todo o Olimpo.

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