Social Icons

twitterfacebookgoogle pluslinkedinrss feedemail

Pages

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Capítulo 10: A CRIAÇÃO DO HOMEM, A PRIMEIRA GERAÇÃO...

Prometeu ( Προμηθεύς). Por  RobertCrescenzio

Prometeu(Προμηθεύς) sempre teve um pendor para as artes plásticas. Seu pai era o velho Japetos(Ἰαπετός), um dos Titãs, cuja origem se perde na noite dos tempos. Era tão velho que emparelhava em idade com Crono(Κρόνος), o pai de Zeus(Ζεύς), e ninguém sabia precisar direito como e de onde surgira. O fato é que o velho sempre nutrira uma admiração secreta por seu habilidoso filho.



—  Este Prometeu promete!—  dizia, repetindo pela milésima vez esse cansativo trocadilho.

Climene(Κλυμένη), esposa de Japeto, escutava pacientemente os prognósticos do marido, mas não podia deixar de concordar com o seu otimismo. Não raras vezes flagraram o menino metido no barro, modelando com habilidade seres das mais diversas formas. Com o tempo Prometeu cresceu, até atingir a fase adulta. Agora, já com seu ateliê montado, era respeitado em toda a corte celestial como notável artífice.

Os deuses se perguntavam porque Prometeu vivia escondido naquela gruta e, quando raramente aparecia, vinha sempre pensativo e distraído, como que procurando a solução para algum difícil problema.

Um dia, Zeus não suportou mais a curiosidade e seguiu-o. Ficou algum tempo do lado de fora da gruta, procurando perceber os movimentos de Prometeu. Nada, silêncio total. Resolveu entrar. Viu que Prometeu no fundo da gruta misturava materiais, viu quando o mesmo tomou um pouco de terra e, misturando-a com água, fez uma perfeita figura masculina à imagem e semelhança dos deuses. Deu-lhe o porte ereto, de maneira que, enquanto os outros animais têm o resto voltado para baixo, olhando a terra, aquele ser podia levantar a cabeça para o céu e olha as estrelas.

Ajoelhado a seu lado, Prometeu contemplava a figura, embevecido. Tão distraído estava que nem percebeu a chegada de Zeus. Só o viu quando o supremo senhor do Olimpo chegou a seu lado. Estremeceu e voltou de sua abstração. Levantou-se, confuso.

— Zeus!... O que o traz aqui?

Zeus não despregava os olhos do boneco de argila.

— Quis saber em que ocupa todos os seus dias. O que é isto?

E apontou para a figura.

— Zeus, não sei se aprovará meus atos ou não. Mas preciso tentar. Desde criança, sempre tive um sonho, que pretendo realizar. Gostaria de criar um ser material, capaz de assumir o comando do mundo físico. Consegui dar forma a este ser. Provi-o de todo um equipamento, bastante perfeito, capaz de captar todas as informações do mundo material, e também capaz de fazê-lo agir, de acordo com a informação recebida. Mas não consigo dar-lhe vida. E aí jaz um ser material perfeito, completamente inerte e inútil.

Zeus olhou-o fixamente.

— Como ousou iniciar este empreendimento sem me consultar? Jamais permitiria a criação de um ser físico! O mundo material também pertence aos deuses!

Prometeu abaixou a cabeça, constrangido. Zeus calou-se e pensou um pouco. A expressão irritada de seu rosto logo se dissolveu.

— Prometeu — disse ele, desta vez com brandura — sua ideia não é de todo má. Nasci e fui criado no mundo físico, e sempre desejei ter também um corpo material, capaz de trabalhar com as plantas, com a terra e com as pedras. Nosso corpo etéreo limita muito as nossas ações, no mundo físico. Sempre senti essa dificuldade, desde criança, em contato com a cabra Amaltéia, que me aleitou.

Prometeu olhava-o com curiosidade, procurando compreender onde ele pretendia chegar.

— Bem — continuou Zeus — agora tive uma ideia  E se conseguíssemos usar um corpo como este, que você construiu? Poderíamos usá-lo como um veículo de manifestação no plano físico, e abandoná-lo à vontade, sempre que quiséssemos atuar somente no mundo astral. Você acha isto possível?

Prometeu sacudiu a cabeça, desnorteado.

— Não sei... Não havia pensado nisto. Não foi para esta finalidade que construí minha criatura. Mas se é este o seu desejo, poderemos experimentar.

Zeus abriu um largo sorriso.

— E como vamos fazer?

Prometeu pensou um pouco. Depois respondeu, aflito:

— Não faço ideia. Talvez Thêmis(Θέμις) possa nos dizer alguma coisa. Ela conhece o futuro e a magia.

— Você teve uma ótima ideia — concordou Zeus. — Vamos procurar Thêmis e consultar sua sabedoria.

Thêmis, filha de Gaia(Γαῖα) e Urano, era respeitada por todos, graças aos seus conhecimentos mágicos. Diziam que ela os adquirira com as ninfas dos bosques, durante a guerra dos Titãs quando, fugindo dos rumores da batalha, ia ocultar-se sob as árvores frondosas. Agora, no Olimpo, consultava o oráculo e preparava os rituais mágicos.

Zeus e Prometeu foram encontrá-la sentada, em profunda meditação. Mas sua sensibilidade fez com que abrisse os olhos, logo que eles se aproximaram.

— Thêmis — disse Zeus — precisamos de seus sábios conselhos.

— E quem sou eu para aconselhar o supremo senhor do Olimpo?

Zeus sorriu levemente.

— Existem coisas que só são reveladas àqueles que podem ver além do alcance da visão. Por favor, aconselhe-nos.

Thêmis ouviu-o com atenção. Depois fechou os olhos e concentrou-se. Algum tempo depois, estremeceu e falou:

— Sua pretensão não só é possível, como necessária. Os deuses precisam atuar em todos os planos. Chegou o momento de um contato mais íntimo com o mundo físico. Prometeu, você e seu irmão Epimeteu(Ἐπιμηθεύς) deverão preparar o mundo para nossa chegada. Primeiramente você deverá criar os mais variados tipos de animais para que possam interagir conosco. Seu irmão Epimeteu deverá assegurar-lhes todas as faculdades necessárias à sua preservação. Por fim você irá moldar tantos corpos quantos forem os deuses do Olimpo. Depois disto, num único ritual, iremos ocupar estes veículos físicos. Vá, Prometeu, faça seu trabalho e depois então volte a me procurar.

Prometeu lançou-se tenazmente à missão que lhe foi confiada. Trabalhava dia e noite, sempre observado por Zeus, que não conseguia esconder sua ansiedade. Epimeteu encarregou-se da obra de Prometeu, de examiná-la, depois de pronta. Assim, Epimeteu tratou de atribuir a cada animal seus dons variados, de coragem, força, rapidez, sagacidade; asas a um, garras a outro, uma carapaça protegendo um terceiro etc...

Zeus estava ansioso pela etapa final do trabalho 

— Vamos Prometeu, só terá este trabalho uma vez. Daí para a frente, esses organismos que usaremos poderão se reproduzir e os novos deuses que nascerem já terão seu corpo material, além do astral.

Prometeu, entretanto, não opinava sobre as tarefas que recebia, mas procurava tão somente cumpri-las da melhor maneira possível. No mesmo dia encerrou-se em sua oficina, depois de colocar um aviso bem grande na porta destinado a afastar os importunos. Esta criação, bem o sabia, estava destinada a ser a sua obra-prima, e por esta razão decidiu caprichar ao máximo na sua elaboração.

Prometeu apenas suspirava. Nada dizia, somente trabalhava. Depois de trabalhar por vários dias, deu enfim por concluída a tarefa e quando o último organismo material ficou pronto, voltaram a procurar Thêmis. Ela reuniu todos os deuses na gruta de Prometeu, no dia propício, na hora em que Selene, a lua, aparecia enorme e redonda no meio do céu. Em silêncio, observavam a deusa preparar o ritual. Ela encheu uma cabaça com a água da nascente, reuniu a terra e as cinzas, ateou fogo à madeira seca. Logo a gruta se impregnou do aroma suave das ervas queimadas. E Thêmis começou a entoar um cântico monótono. Uma vibração forte tomou conta do local e fez estremecer o tom de sua voz. Estendeu os braços para o alto.

— Eu vos convoco, forças dos céus e das águas, da terra e do ar! Seres mágicos que governam a natureza, que se escondem muito além da abóboda do céu, eu vos chamo à minha presença!

Uma brisa correu mais rápida e espalhou a fumaça das ervas. As labaredas dançaram sobre a madeira seca e retorcida e depois, novamente, se acalmaram. A fumaça reorganizou-se e elevou-se numa coluna firme, indo desmanchar-se ao contato com o teto úmido da gruta. E Thêmis continuou:

— Seres dos bosques e das árvores, das pedras e das montanhas, seres que animam a matéria ao suave toque de suas mãos, cheguem-se à presença dos deuses!

Pouco a pouco, foram surgindo seres de formas diversas, pequeninos e imensos, envoltos em luz e opacos, translúcidos e densos. Com respeito, foram formando uma roda em torno dos deuses e dos corpos de argila, enfileirados no chão de terra, um ao lado do outro. Prometeu conseguira reproduzir, na argila, com suas mãos de artista, a figura astral dos deuses e deusas.

— Seres da natureza — continuou Thêmis — aqui estamos reunidos para darmos uma forma física a cada um dos senhores do Olimpo. É da vontade dos deus supremo, Zeus, que os deuses se manifestem em corpos materiais, para melhor atuarem no mundo físico. Unam sua magia aquela que me foi conferida, que o barro se anime, encha-se de vida, torne-se capaz de transformar-se na morada dos deuses, no templo vivo de suas existências astrais!

Os seres da natureza entoaram seus cantos, liberaram a energia com que mantinham a vida vegetal e animal. Em dado momento, os raios surgiram nos céus, os trovões estouraram fazendo tremer a gruta, que se encheu de uma densa nuvem azulada, que tudo ocultou, por instantes. E quando a nuvem azul se desvaneceu, os deuses entreolharam-se, surpresos. Os bonecos de argila haviam desaparecido do chão e seus corpos etéreos abrigavam-se agora em veículos de carne animal, quente e vibrante.

— Como conseguiu isto, Thêmis? — balbuciou Prometeu.

Mas ela não o ouviu, mergulhada ainda em profundo transe. Ergueu novamente suas
mãos, agora humanas.

— Espíritos do ar e da terra, do fogo e da água, sejam os eternos protetores de nossos veículos físicos e velem também por toda a nossa descendência. Deuses do Olimpo, sejam deuses e sejam humanos!

Um a um, os seres da natureza reverenciaram os deuses e partiram silenciosamente. Foi somente depois que o último deles se afastou, que Zeus falou:

— Eis que enfim vejo meu desejo realizado! Podemos agora desfrutar do mundo de matéria, do organismo físico de Gaia.

Acariciou um arbusto esguio que saía da terra úmida e pendia para a saída da gruta, procurando a luz do sol.

— Que maravilha!... Como é diferente a sensação que meus dedos agora me transmitem! Incrível!

E os deuses, curiosos, tocavam as pedras, cheiravam as avencas que brotavam das pedras. E, lá fora, pararam extasiados, sentindo na pele o beijo quente dos raios do sol.

— Sensações! Sensações!... É o que o mundo físico nos transmite!... Sensações!— exclamou Hera, passando de leve o dedo ao longo do braço.

— Olhem! — exclamou Métis, a filha de Oceano(Ὠκεανὸς) e Tétis, cheirando uma flor.

— Como é mais intenso o aroma, quando sentido através deste veículo físico! Que coisa espantosa!

Zeus segurou uma rosa e retirou a mão subitamente. Olhou, surpreso, a gota vermelha que se formava no local onde o espinho o ferira. Intuitivamente, levou o dedo à boca e sugou-o. Espantou-se, ao sentir o gosto acre do sangue. Um pássaro voou rasteiro e emitiu um grito agudo. Os deuses estremeceram.

— É ...— disse Zeus, pensativo. — Acredito que teremos que nos adaptar a este novo corpo. Até lá, tudo será apenas uma maravilhosa aprendizagem!...

Um comentário: