Social Icons

twitterfacebookgoogle pluslinkedinrss feedemail

Pages

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Capítulo 3: CRONO E O ASSASSINATO DE URANO

CRONO (Κρόνος). Por Genzoman.

Gaia(Γαῖα) contemplou, inebriada, as constantes alterações que sofria seu organismo físico. A matéria primeira explodira em milhares de glóbulos que se espalharam pelo universo, aglomerando-se em torno de centros ígneos, onde Hélio se projetava, incansável. Alguns desses glóbulos eram tão tórridos que nem mesmo Oceano conseguia umedecê-los. Outros, porém, mais amenos, aceitavam a dádiva líquida que se espalhava pela terra.



O universo, antes vazio, acolhia agora em suas dobras as células físicas de Gaia, a mãe, a mulher. E ela, perdida em profunda contemplação, meditava ante toda aquela vastidão:

— Sei que sou jovem, mas sinto-me tão velha... Ante esta imensidão sou pequena, no entanto sou enorme e existo em todos os recantos do universo. Sou mãe dos céus e das águas, do fogo e da memória, mas tenho também um organismo físico que ainda não foi fecundado. Sou mãe e sou virgem, sou mulher e sou criança e vago pelo espaço, pelas células de meu corpo, sem saber, contudo, para onde vou e nem de onde vim. Quem sou?... Sou Gaia, sou mãe, sou virgem, sou mulher, sou criança... sou Terra!

Sobressaltou-se ao pressentir a chegada de Urano(Οὐρανός). Sua presença sempre a perturbava. Tinha algo que a oprimia e prejudicava sua livre expansão. Não compreendia seus anseios de mulher, nem aceitava seus cuidados de mãe.

— Então, Gaia — chamou, com sua voz alta e sonora. — Novamente contemplando sua criação? Não fique tão orgulhosa de seu organismo físico, nem das prendas de seus filhos etéreos. Antes disto, deveria estar prostrada em eterna adoração a mim, seu esposo, que ocupo os mais sutis espaços do universo.

Gaia sorriu com tristeza.

— Meu senhor, sou sua esposa e o amo. Mas também sou mãe. Tenho filhos nossos a zelar e sinto que meu organismo físico anseia por gerar. Sinto que ainda terei uma imensa prole para cuidar e amar.

Urano explodiu em descargas de energia.

— Nunca! Que filhos pensa ter em tão rígida forma, em tão grosseira matéria? Povoar o mundo físico com o quê? Jamais!... Somente os espaços podem ter vida e somente a vida sutil deve ocupar a imensidão. Veja os filhos que já tivemos! São luzes, são calor e frio, têm seu lugar em todo o universo e não somente num pobre e ínfimo organismo físico. Olhe para o alto, mulher, olhe para o alto e para mim, e não se perca contemplando a inutilidade que é o organismo com que preenche o mundo físico.

Gaia entristeceu-se. Como falar da necessidade que tinham suas entranhas de gerar a vida naqueles mundos que se afastavam cada vez mais em redor de seus sóis, rumo a um futuro que ainda não havia nem começado a acontecer? Coisas de mulher... Tristezas que o homem não conhecia, nem mesmo o seu homem, o firmamento sem fim que envolvia todo o seu ser. Urano aproximou-se mais.

— Vamos, minha querida, não se entristeça. Não deixe que preocupações inúteis escureçam seu rosto. Venha...

Envolveu-a em seus braços etéreos e amou-a. Gaia entregou-se, passiva, toda mergulhada em sua tristeza. E novamente concebeu.

Desta união nasceram os Ciclopes(κύκλωπες), que eram três gigantes com grande habilidade manual. Criaturas grotescas,que pousavam sobre o mundo em sua volta um olhar penetrante, emanado de um único olho, no meio da testa.

Urano sentiu-se ameaçado por esses novos filhos, nascidos da tristeza de Gaia. Percebeu que, de alguma maneira, que desconhecia, eles poderiam auxiliá-la a fecundar seu organismo físico. E algo em seu íntimo lhe dizia que, se isso acontecesse, ela se afastaria ainda mais dele.

Tentou uma nova aproximação, mas logo viu-se rejeitado. Vagou pelos espaços, olhando-a de longe, vendo-a contemplar, alegre, o desenvolvimento dos mundos físicos. Chegou-se novamente e atraiu-a para si. Gaia tentou se esquivar, mas o abraço de Urano não a deixou mais fugir.

— Por favor, meu esposo, não me queira sempre em seus braços, pois não fui feita para os céus. Sou Terra, preciso sentir a vida física correr em minhas entranhas!

Urano não conseguia compreender os lamentos de Gaia. Queria içá-la ao seu mundo etéreo, mas ela já pertencia ao mundo físico. E mais uma vez, Gaia concebeu em meio à revolta. Nasceram os  Hecatônquiros(ἑκατόγχειρες), que também eram três, igualmente gigantescos, poderosos e dotados de cem braços e cinquenta cabeças: Cottus(Κόττος), Briareus(Βριάρεως) e Giges(Γύγης). Eram terríveis e temíveis. Faziam o mundo estremecer, ao lançarem longe as rochas gigantescas como se fossem brinquedos de criança.

Havia muitos deuses, mas Urano continuava sendo o senhor do Universo, que mantinha a ordem em tudo. Seu poder era imenso, cada desejo seu era lei, e todos o obedeciam. O reinado de Urano foi um tempo muito feliz, pois até ali não existia a Morte nem a Inveja nem a Violência. Entretanto... as coisas não poderiam ficar assim para sempre.

Certo dia, Urano brigou com seus filhos, Hecatônquiros e Titãs, porque eles o haviam desrespeitado. Por esse motivo, o deus resolveu castigá-los severamente. Ao ver a fúria do filho e marido, a Mãe-Terra ajoelhou-se a seus pés e implorou que os perdoasse:

— Meu filho e senhor, rei do mundo, suplico-te que perdoes teus filhos para que não aconteça uma grande desgraça à família dos deuses!

— Mãe dos deuses, quando os filhos desrespeitam o pai, devem ser banidos da luz do dia! Se eu não os castigar agora, mais cedo ou mais tarde eles novamente me enfrentarão. Quem sabe até não haverão de querer tirar-me do trono?

Dizendo tais palavras, Urano fez a terra abrir-se. Imediatamente, os Titãs e os Hecatônquiros caíram nos abismos, nas terras negras de Tártaros onde não havia nem a luz do dia nem a pálida penumbra da Noite. Lá tudo era obscuro.

— Aí ficarão para sempre, no ventre da Terra, para que nunca mais ousem desafiar a minha autoridade! — exclamou, colericamente, o deus soberano.

Assim, após um começo enérgico, a formação do mundo havia chegado a um impasse: o potente Urano, embora tivesse gerado novas e poderosas divindades, não permitia que deixassem o interior de Gaia, prendendo-os para sempre nas profundezas da terra, do mundo físico.

Gaia, mãe, entristecida por ver seus caçulas encarcerados em seu próprio organismo físico, sem poderem ver ao menos a claridade do dia, suplicou:

— Por favor, Urano, compadeça-se de nossos filhos. Deixe que participem da vida, da luz, da natureza! Solte-os, eu lhe suplico!

Mas Urano, implacável, esbravejou:

— Como posso compreendê-la, mulher? Deixo que seus filhos fiquem para sempre no seio de seu corpo e você não quer que seja assim. Não sente necessidade de vida em suas entranhas físicas? Não foi isso que disse? Pois agora terá essa vida que tanto anseia, para sempre, agitando-se em seu ventre!

Subjugada, teve de segurar em suas entranhas, durante muitas eras, aquelas turbulentas criaturas e suportar, ao mesmo tempo, o assédio insaciável e ininterrupto do marido. Fugiu, chorando, e procurou o auxílio de seus filhos mais velhos.

Vendo-os presos naquele mundo, Gaia ficou com o coração partido. Afinal, eram seus filhos também. Por esse motivo, resolveu ir conversar com eles para incentivá-los a resistir, já que Gaia, sendoa Terra seu domínio, tinha livre acesso por esse mundo obscuro, para onde desejasse chegar. Quando os encontrou, disse-lhes:

— Como posso viver em paz sabendo que meus filhos estão presos nos domínios de Tártaros? Vamos, qual de vocês tem coragem de sentar-se no trono dos deuses? O seu pai já reinou por muito tempo. Chegou a hora de um de vocês substituí-lo!

Ouvindo isso, os Titãs e os Hecatônquiros abaixaram a cabeça. O poder de Úranos era imenso, metia-lhes medo e temiam seu ímpeto violento e nada faziam. Entretanto, nem todos se acovardaram. Nos olhos de um deles brilhou um lampejo de coragem.

Crono(Κρόνος), o mais novo, durante muito tempo vinha sonhando, em segredo, tornar-se o rei do mundo. Ele sabia que seu pai havia cometido um erro grave, aprisionando os filhos no mundo subterrâneo de Tártaros. E agora, chegava a hora de agir.

— Mãe, dou minha palavra e agirei de acordo com ela.Estarei sempre a seu lado. Pouco se me dá do nosso pai, de nome odiado. Ele foi o primeiro a engenhar um ato vergonhoso! Mas diga, minha mãe, o que devo fazer para livra-la de tanta dor! — disse Crono, disposto a tudo para chegar logo à segunda parte do plano.

O pranto desapareceu dos olhos de Gaia e ela se aproximou do filho lentamente.

— Está mesmo disposto a me auxiliar, mesmo que, com isso, fique contra seu próprio pai?

Crono apenas sorriu. Nem precisou dizer nada, pois através daquele sorriso deixou filtrar todo o ódio que sentia por Urano, ódio que nascera e crescera ao perceber, pela primeira vez, o desespero da mãe. E Gaia completou:

— Somente você poderá libertar-me da tirania de seu pai e conquistar para si o mando supremo do Universo!

O jovem e ambicioso Titã sentiu um frêmito percorrer suas entranhas.

Diante disso, Gaia regozijou-se. Com a ajuda da mãe, abrindo um buraco nas paredes, Cronos conseguiu fugir da prisão nas trevas e voltou à luz do dia. Como já estava desacostumado com a claridade, mal conseguia abrir os olhos. Por isso, quase nada podia ver. E, logo que recuperou a visão, exclamou a Gaia, sua mãe:

— Mãe-Terra, mil vezes obrigado por me ajudar a ver novamente este mundo maravilhoso que será só meu! Agora, eu vou, pois tenho uma grande tarefa a realizar.

Depois de tais palavras, Cronos desapareceu das vistas de sua mãe e foi preparar-se. E foi durante este período de preparação que Gaia envolveu-se com Pontos.

Pontos (o Mar) gerou sozinho a Nereus, o “velho do mar”, e, depois, unindo-se a Gaia, teve os filhos Taumas (o Espanto), Fórcis (a Espuma do mar) e Ceto (os Terrores do mar), que deram origem aos monstros das águas, e também Cefeus (ou Egéon), Euríbia (a Fúria do mar), a ninfa Hália (a Salinidade) e os Telquines, os primeiros habitantes da ilha de Rodes, que se chamou Telquínia.

Os Telquines (Τελχῖνες) eram magos, encantavam por meio de sortilégios, benévolos no início, mas logo tomaram um caráter malfazejo, lançando o mau olhado e destruindo as colheitas. Faziam chover, nevar, saraivar ou ventar conforme desejavam. Colhiam a água do Estige, regavam com ela o solo e faziam nascer enfermidades e desgraças, como a fome, a peste e a seca. Divindades marinhas, assumiam a forma de Tritões, ou adquiriam a forma de serpentes. Chamavam-se Argíron, Críson, Licos e Cálcon.

Gaia ordenou a seus filhos, os Telquines, fabricarem para Cronos uma alfanje de diamante, bem parecido com uma foice, e sua mãe lhe disse, num misto de vergonha e esperança:

—  Esta arma foi criada com um material que gerei ao longo das eras em minhas entranhas do organismo físico, o material mais resistente. Tome e use-a da melhor maneira que puder.

Crono levantou a foice e não hesitou um só instante: enrolou-se em uma nuvem e voou bem alto a fim de ficar aguardando uma oportunidade para aparecer.

Naquela noite, foi Gaia quem chamou o marido a seu leito. Surpreso, Urano cobriu-a com seu corpo diáfano e preparou-se para amá-la. Nem viu quando Crono chegou e aproximou-se dele sorrateiramente, examinou algum tempo o impiedoso deus, empunhou a alfange e pensou:

"Realmente... demasiado soturno."

Pensou em sangrá-lo na altura do coração, mas teve um plano melhor, imaginando para Úranos o exílio, já que reprovava a incessante fecundação à sua mãe. Em questão de segundos cumpriu a promessa que fizera a ela: segurando sua genitália com a mão esquerda (que desde então se tornou a mão dos maus presságios), fez descer o terrível gume e deu-lhe um golpe certeiro, ferindo-o gravemente no escroto, símbolo de sua dignidade, já que passava por ser o deus fecundo da Natureza.

Um grito terrível, como jamais se ouvira em todo o Universo, ecoou na abóbada celeste, despertando toda a criação, enquanto os testículos do Céu, arrancados pelo golpe da foice, voaram longe e foram cair no mar (seguramente no cabo Drépanos) e o seu sangue escorreu, como chuva, e foi cair na Terra.

— Quem ousou levantar mão ímpia contra o soberano do mundo? — gritou o Urano, com as mãos postas sobre a ensanguentada virilha.

— Isto é pelos tormentos que infligiu à minha mãe, bem como a mim e a meus irmãos — respondeu Crono, ainda a brandir a foice manchada de sangue.

Com isso, o deus ferido ficou sem forças tanto para governar como para ter mais filhos. Uranos caiu, exangue, sobre seu leito acolchoado, calando sua voz com uma dor inigualável. E as nuvens que lhe serviam de leito tingiram-se de um vermelho tal que durante o dia inteiro houve como que um infinito e escarlate crepúsculo.

O sangue da ferida caiu sobre Gaia, Terra e Mãe, os relâmpagos riscaram os céus, os trovões estouraram nos quatro cantos do universo e as pesadas nuvens de chuva verteram seu pranto sentido. E Gaia concebeu, engendrados pela violência daquele ato, nasceram também fertilizados pelo sangue de Urano, os Gigantes, as Eríneas e as Melíades.

Os Gigantes(Γιγάντες) surgiram brandindo aos céus e as mãos imensas, emitindo urros que se confundiam com os trovões. Através da farta e espessa cabeleira que, misturada à barba cerrada, cobria-lhes quase que totalmente o rosto, o brilho dos pequenos olhos filtrava-se e detinha-se, ora em Gaia, ora em Crono. Os corpos horrendos terminavam em serpentes, que logo se lançaram, céleres, em direção ao mundo físico, fazendo com que aqueles seres imensos desaparecessem em meio às florestas recém-formadas.

Gaia, com sua sensibilidade de mãe, percebeu que eram mortais. Com pena, semeou uma erva mágica, capaz de curá-los quando se ferissem. E quedou-se, pensativa, vendo os gigantes arrancarem as árvores, em meio a grande ruído, e lançá-las aos céus, como se pretendessem agredir a todos os deuses.

As erínias(Ερινύες) nasceram violentas e furiosas. Eram as forças primitivas, que nem aos deuses obedecem. Guardiães das leis da natureza, ajudariam a punir a sombra dos mortos no mundo subterrâneo. Sua principal tarefa seria perseguir e enlouquecer os culpados de crimes hediondos, em geral o derramamento de sangue dentro da própria família. Eram apenas três: Alecto(Ἀληκτώ), Tisífone(Τισιφόνη) e Megaera(Μέγαιρα). ergueram-se aos céus em suas imensas asas, as longas cabeleiras entremeadas de serpentes agitando-se em torno de seus corpos monstruosos.

As Melíades(Μελιάδες) logo se esconderam atrás dos enormes freixos (um tipo de arbusto), sempre prontas a defenderam as grandes árvores de qualquer possível ataque. Gaia pressentiu que seriam para sempre adversárias dos Gigantes, uma vez que eles só apreciavam a destruição.

Surpreso, Crono assistia impassível ao nascimento dos últimos filhos de Gaia e do sangue de seu próprio pai. Logo, depois, abraçou a mãe...

2 comentários: