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domingo, 8 de dezembro de 2013

Capítulo 78: A DECEPÇÃO DE PÉLOPS, O AMOR PROIBIDO DE CRÍSIPOS E A MALDIÇÃO DE LAIOS

Mírtilos(Μυρτίλος) e Pélops(Πέλοψ). Por anndr.

Pélops(Πέλοψ) ignorava o seu destino e, encolhendo os ombros, tornou à biga e, calmamente, dirigiu-se para Pisa, onde foi recebido pela esposa Hipodâmia(Ιπποδάμεια).

— Saíste cedo com Mírtilos(Μυρτίλος)... mas voltaste só. Onde está ele, meu esposo?



Pélops desceu de sua biga e entregou-a ao servo. Lentamente voltou-se para a esposa e lhe disse:

— Morreu. Foi a última vontade de seu pai.

Tanto a expressão de seu rosto como o tom de sua voz advertiram Hipodâmia de que não deveria prosseguir nas indagações. Assim era o homem tenebroso e terrível que viera do Oriente para estabelecer sua realeza na Élide, e, mais tarde, estender seu domínio a todas as terras do sul.

O deus Hermes(Ἑρμής), pela morte de seu filho, abandonou Pélops e deixou seu reino à mercê dos seus vizinhos. E Pélops, pensando em encontrar alguma graça diante dos deuses e dos homens pelo assassinato que cometera, honrou Mírtilos com um sepultamento ilusório e dando ao mar onde morrera o nome de Mirtos. Mas tudo em vão. Pois o que aconteceu foi que o corpo de Mírtilos foi levado pelas ondas até uma pequena ilha próxima da costa, Esféria, e o seu fantasma passou a levar o nome de Ésferos.

Assim, consumado o seu casamento e a sua soberania sobre todos os reinos da Ápia, ao sul da Hélade, durante algum tempo sentiu-se Pélops feliz com sua formosa esposa e seu novo reino. Grande foi sua felicidade quando Hipodâmia deu-lhe um filho a que puseram o nome de Piteus(Πιτθεύς). Passado um ano, mais ou menos, começou ele a estender suas vistas pelas planícies e vales da Élide, fazendo incursões a cavalo cada vez mais distantes, para tomar conhecimento dos reinos que confinavam com o seu e saber que qualidade de gente os governava.

Com o correr dos anos, à medida que se tornava mais rico e poderoso, esquecia-se Pélops da maldição do áuriga Mírtilos, que o ajudara a conquistar sua esposa Hipodâmia e o reino da Élide. Sem dúvida, aparentemente, era Pélops um dos homens mais felizes do mundo. O casal tinha agora mais três filhos: Atreus(Ἀτρεύς), Tiestes(Θυέστης) e Alcátous(Ἀλκάθοος), e uma formosa menina de nome Nícipe(Νικίππη).

E não foram poucos os outros filhos que nasceram de Pélops e Hipodâmia: mais sete filhos varões, chamados Plístenes(Πλεισθένης), Copreus(Κοπρεύς), Troézenos(τροιζην), Hipálimos(Ιππαλμος), Dias(Δίας), Hípasos e Círon(Σκίρων), e três filhas, que foram Astidâmia(Αστυδάμεια), Lisídice(Λυσιδίκη) e Hipótoe(Ιπποθόη), e todos estavam destinados a ter descendência. No entanto, Pélops havia tido também um filho com outra mulher, Axioquéia(Άξιόχη), e chamava-se Crísipos(Χρύσιππος), “o dos cavalos de ouro”, que não conseguiu obter a simpatia de Hipodâmia.

Em desagravo pela morte de Enômaos, Pélops fundou um grande festival que se celebraria a cada quatro anos em honra do rei morto, e se chamou Jogos Olímpicos.  Em seguida, Hipodâmia fundou, por gratidão a Héra, a rainha dos deuses, um festival em sua honra que também deveria se realizar de quatro em quatro anos e incluía uma corrida para moças.

Em meio a este tumulto, que Laios(Λάιος), chegou à corte de Pélops. Laios era filho de Lábdacos(Λάβδακος), rei de Tebas. Seu pai foi morto por bacantes vingativas pela repressão ao culto a Dionísio(Διονυσος). Como Laios ainda era criança, a regência de Tebas foi entregue a Licos(Λύκος). Quando os tiranos Anfion(Ἀμφίων) e Zetos(Ζῆθος) mataram o regente e tomaram o poder na cidade, então com medo de ser morto pelos dois invasores,o príncipe de Tebas refugiou-se, ainda jovem, na Frígia, na corte do rei Pélops.

Lá foi educado e cresceu. No entanto, a morte brutal de Licos e Dirce(Δίρκη), a quem amava como se fossem seus pais, abrira um rombo em sua alma e seus sentimentos se colocaram todos à flor da pele. Pélops se comoveu com a desdita do rapaz e com o passar dos anos aproximou-o de seus filhos, na tentativa de dar a ele uma nova família. Atreu e Tiestes, no entanto, eram agressivos e viviam envolvidos em constantes e tumultuadas brigas, o que consternava profundamente o rei Pélops.

— Temo que a maldição do cocheiro Mírtilos traga alguma desgraça a nossa família — dizia ele a Hipodâmia — Meus filhos estão sempre empenhados em estúpidas discussões e receio que um dia venham a se destruir mutuamente.

— Não pense assim, Pélops — retrucava ela, procurando dissolver a ruga de preocupação que vincava a testa do esposo — Atreu e Tiestes têm um gênio forte

— Mas Crísipos é calmo e educado. Este, com certeza, nos dará muitas alegrias.

— Sim, o bas... digo Crísipos, por que não nomeia Laios como seu Preceptor. Ele o ensinará bem.

— Ótima idéia — Animou-se Pélops.

E assim, quando este se tornou adolescente, Pélops pediu a Laios que fosse seu preceptor. Laios logo se tornou amigo de Crísipos e, juntos, passeavam pelos jardins do palácio, trocando confidências, divertindo-se com os jogos tão comuns nas cortes da Grécia.

Pélops, pouco a pouco, mostrava indisfarçada preferência pelos dois amigos, despertando o ciúme e o despeito na alma de Atreus e Tiestes.

— Sabe, Hipodâmia, meu coração agora está mais tranqüilo. Laios é um rapaz ponderado e inteligente e chegou em boa hora, justamente quando Crísipos se encontrava tão deslocado em meio às brigas furiosas dos irmãos. Sei que posso deixar meu trono com Crísipos que, com os conselhos sábios de Laios, saberá reinar com dignidade. Não poderia morrer em paz, sabendo que a Élida ficaria nas mãos de dois desordeiros como Atreus e Tiestes.

— Não fale em morrer! — reprovou Hipodâmia. — Não acha que é muito jovem para se preocupar com a sucessão do trono?

— Minha querida esposa, aprendi que a morte espreita a cada passo que damos na estrada da vida, e não sabemos nunca quando ela irá dar o seu bote fatal.

Hipodâmia abraçou o marido com carinho.

— Você está certo. Sua preocupação tem fundamento. Mas agora tranquilize sua alma. Crísipos será um bom rei, corajoso e justo, e certamente contará com Laios como seu conselheiro.

A alegria voltou ao coração de Pélops e nos anos que se seguiram, consolidou-se a amizade de Crísipos e Laios e a confiança que o rei depositava em ambos, mas também aumentou a discórdia entre Atreus e Tiestes e o despeito que nutriam pelo irmão.

Uma paixão avassaladora nasceu entre Laios e o virginal Crísipos . Às escondidas, os amantes vivem um amor intenso. Laios possui com furor o belo Crísipos , fazendo dele um homem. Para continuar a viver seu amor, Laios armou um plano: ofereceu-se para escoltar o rapaz até os jogos de Neméia, onde ele iria participar como atleta. Após as competições, enquanto retornavam à Frígia, Laios demonstrou interesse em fugir com Crisipos para Tebas, onde pretendia recuperar o trono de seu pai, Lábdacos, no entanto sua lealdade e seu amor o impediram a tomar tais medidas...

Pélops acordou sobressalto. Passos furtivos ecoavam no corredor e risadas abafadas cascateavam com jeito de cumplicidade. O rei se levantou e saiu do quarto. Seguiu pisando de leve, olhando em volta,
procurando de onde vinham aqueles ruídos estranhos na noite quieta.

Logo achou Atreus e Tiestes que conversavam em surdina e espremiam as bocas com as mãos, segurando gargalhadas. Aproximou-se, curioso.

— O que fazem aqui a essas horas? Por que não estão dormindo?

Os rostos se contorceram em caretas tensas, contendo o riso iminente.

— Nada de mais, meu pai — conseguiu dizer Tiestes. — Apenas conversávamos sobre o futuro do nosso reino.

— Mas o que há de tão hilariante com o futuro da Élida?

Atreus respirou fundo para conseguir falar.

— Imaginávamos como seria o destino de um reino nas mãos de um rei frágil como uma moça.

Pélops o olhou com espanto.

— Não entendo o que diz, Atreus. Gostaria que se explicasse melhor.

Atreus fez uma reverência, com um ar maroto no rosto sorridente.

— Já que insiste, senhor meu pai, queira me seguir e veja com seus próprios olhos.

Houve uma época em sua vida em que Pélops se arrependeu de ter seguido Atreus e Tiestes. Talvez fosse melhor continuar na ilusão em que vivia. Mas ele foi atrás dos filhos. Deslizaram pelos corredores, silenciosamente, e pararam em frente ao quarto de Crísipos. Num movimento rápido e único, Tiestes abriu a porta. Pélops ficou lívido com uma vela. Sobre a cama, despidos e enlaçados, estavam Laios e Crísipos.

— Veja o futuro rei da Élida, meu pai! — exclamou Atreus, apontando para os dois num gesto dramático. E acrescentou, soltando uma risadinha sarcástica — Parece que prefere ficar de quatro na cama, que de pé em meio aos campos de batalha.

Crísipos se enrolou nas cobertas. Quis gritar, mas a voz não saiu. Laios continuou de costas para a porta, sem se atrever a olhar para trás. Pélops se voltou e chamou os filhos.

— Vamos! Já vi o suficiente.

Quando o amor dos dois é descoberto, Crisipos, um jovem medroso e desestruturado pela descoberta da paixão,  temendo a retaliação de Pélops, através da perseguição e do escarnecimento das pessoas, num ato desesperado, suicida-se, deixando Laios apenas com a dor da perda e perseguido por um ressentido e vingativo rei.

Ao saber da morte do filho, Pélops, furioso por ter perdido o herdeiro, dispara um grito de dor que ecoa por todos os reinos, lançando uma maldição sobre todas as gerações descendentes de Lábdacos, passadas, presentes e futuras.

— Se tiver um filho, Laios, ele o matará e toda sua descendência desgraçada será!

Assim, Laios encerra a sua primeira paixão, nutrida pelo frágil Crisipos. Volta a Tebas onde casou-se com Jocasta e após a morte dos tiranos assumiu o trono. Assim, a dinastia labdácida foi reconduzida ao poder.

Do Olimpo, Hera(Ἥρα) e Dionísio(Διονυσος) a tudo assistiam.

— Ora, mas que idiota! — exclamou Dionísio — Matou-se por tão pouco!

Hera olhou para o jovem deus, indignada.

— Por tão pouco, Dionísio? Laios e Crísipos ofenderam o rei, cometeram um crime contra a natureza!

— E por quê? — insistiu Dionísio. — Por que condena o amor, Hera?

— Chama aquilo de amor?

Dionísio deu uma gargalhada.

— Ora essa, Hera! Não seja rígida em suas opiniões. Deixe que cada um ame quem bem entender. O amor deve ser livre, solto como um pássaro, e não preso em gaiolas de preconceitos.

Hera ficou vermelha de raiva e apontou para Laios.

— Laios transgrediu as leis da hospitalidade ao trair aquele que o hospedou com o seu querido filho. Pois eu amaldiçôo o filho de Lábdacos e toda a sua descendência!

Dionísio sacudiu a cabeça, penalizado.

— Não faça isso, Hera. Como pode ficar em paz, sabendo que Laios irá carregar para todo o sempre o peso deste anátema?

Mas ela não respondeu. Deixou-o só, contemplando cheio de dó o rapaz que chorava a morte do amigo. Desta forma, a  maldição de Pélops estava agora ratificada pelos deuses do Olimpo.

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