Pélops(Πέλοψ). POR danielwarrenart. |
Pélops(Πέλοψ), depois que os deuses o reconstituíram, foi levado por Poseidon(Ποσειδῶν) ao Olimpo. E o menino, refeito, na companhia dos Imortais, agradeceu a Zeus(Ζεύς) e pediu-lhe que não castigasse o seu pai, que quis agradar os deuses, mesmo que de maneira errada.
Zeus que a essa altura já havia lançado Tântalos(Τάνταλος) as profundezas do tártaro, nada fez. O mesmo ordenou que Poseidon o leva-se de volta a companhia de sua irmã Niobe, que a esta altura ja sentia saudades do seu irmão.
Assim sendo, Pélops desceu do Olimpo e, com o auxílio de Poseidon, e retornou ao convívio de sua amada irmã. Acompanhado de sua irmã, Níobe, e seus servos e todo o ouro que pôde carregar, abandonando a Meônia dominada pelas forças dárdanas, foi para a Hélade, depois de muito perambular. Encontraram a região da Ápia. Havia por toda parte vestígios da antiga grandeza no meio dos quais o povo vivia quase em condição de indigência.
Nessa época, de todos esses régulos, eram Pandion(Πανδίων) de Atenas e Enômaus(Οἱνόμαος) da Élide os mais famosos. Foi na Élide, situada no quadrante noroeste da grande península, que encontrou Pélops, de início, a região onde gostaria de estabelecer seu novo lar, com o fito de pedir asilo a Enômaus, o “rei do vinho”, onde, diziam, caía neve em abundância sobre uma colina sem nome. Tanto ele como seus companheiros foram recebidos cordialmente pelo rei Enômaus.
Pélops apaixonou-se pela filha do rei e de sua legítima esposa, Estérope(Στεροπη), o “raio”, uma bela moça chamada Hipodâmia(Ιπποδάμεια), “a que doma cavalos” — já que aprendera a fazer isso muito bem —, e que estava condenada a ser solteira pelo resto de seus dias. Quis pedi-la em casamento, mas a moça o advertiu:
— Não faça isso, Pélops. Meu pai não irá ceder minha mão a nenhum pretendente. Cuida de mim com tanto zelo, que às vezes penso que tem ciúmes.
— Ciúmes? — exclamou Pélops, intrigado — Mas ele é seu pai!
Hipodâmia corou.
— Tenho motivos para pensar assim.
Hipodâmia sabia em seu intimo que Enômaus obrigava-lhe a manter-se solteira, talvez por sentir-se instintivamente apaixonado pela própria filha, ou ainda por um fatídico Oráculo. Assim sendo quando Pélops fez o pedido ele apenas falou:
— Não posso recusar-te, Pélops, conquanto não possa, tampouco, dar-te meu consentimento. Você deve ter ouvido falar da profecia — Respondeu o aflito rei.
— Desde que entrei neste país tenho ouvido muito a respeito disto.
— É verdade Pélops — Interrompeu Hipodâmia — Meu pai mesmo me contou que o oráculo lhe disse que, seu eu me casasse, meu marido haveria de tirar-lhe a vida, por isso, não deixava que nenhum pretendente me cortejasse.
— Ora, não tenho o menor desejo de morrer, Pélops; assim sendo, fiz o juramento de que o homem que quiser casar com minha filha terá primeiro de me vencer numa corrida de carros. Se o conseguir, casar-se-á com Hipodâmia; mas, se for vencido por mim, deverá estar pronto para morrer. É uma compensação. E não adianta que insistam através de riquezas ou promessas, como fez certo dia um rei de Sérifos chamado Polidectos, que tentou presentear-me com cavalos, e nada conseguiu, pois acovardou-se e não teve coragem de me desafiar.
Em seguida o imperador retirou-se deixando o pretendente e sua filha a sós. Cabisbaixa pelo desânimo que se abateu entre eles, em um fio de voz Hipodâmia ainda completou:
— Até hoje, porém, ninguém conseguiu vencê-lo, pois seus cavalos são divinos. Psila, “a pulga”, e Hárpine, “a que agarra”, que levara o mesmo nome da mãe de seu dono, e que corriam como o vento ou como as Hárpias. Além disso, antes da corrida, ele sacrifica um carneiro a Zeus, que o protege. E, quando meu pai ultrapassa seu competidor, mata-o implacavelmente e pendurava suas cabeças nas paredes de seu palácio. Até hoje, doze pretendentes já foram mortos.
Por mais que Pélops se esforçasse, o mesmo já ouvira varias vezes que a vitória era sempre de Enômaus. Aliás, ele sempre tinha certeza da vitória, assim como os pretendentes já previam a própria morte, pois sabiam que Enômaus era o melhor áuriga de sua época. Porém, mesmo com o risco de morrer, a beleza de Hipodâmia já havia levado doze candidatos a aceitar o desafio, arriscando sua perícia contra o rei de Pisa. Todos eles, porém, mesmo com a vantagem de conduzirem carros puxados por quatro cavalos, foram derrotados e morreram transpassados pela ponta da lança certeira. Sabendo disso é que Pélops compreendeu por que razão a princesa ainda era solteira.
Fora Pélops, em sua juventude, na Meônia, hábil condutor de bigas, e estava assim decidido a tentar a sorte e a arriscar a vida, na esperança de conquistar Hipodâmia, por quem se sentia profundamente apaixonado.
— Há de existir um meio de vencer a corrida... — sussurrou Pélops.
Mas, pensando naqueles jovens todos que haviam perdido a vida em semelhante tentativa, não desafiou de pronto o rei para a corrida, e retirou-se para meditar calmamente antes de fazê-lo. Pélops, então, conhecedor das artimanhas do rei, resolveu pedir proteção a Poseidon, na praia, durante a noite:
— Poderoso deus, se até mesmo a ti são agradáveis os dons da deusa do amor, permite então que eu seja poupado da lança de Enômaus. Leva-me pelo caminho mais rápido e conduz-me à vitória.
O soberano dos mares emergiu das profundezas e, atendendo os seus pedidos, deu-lhe uma carruagem de ouro, com quatro belos cavalos brancos, velozes como flechas. Depois que Pélops recebeu a visita de seu protetor, resolveu enfrentar Enômaus, pois havia-se apaixonado por Hipodâmia.
E Pélops, a fim de encontrar graça perante Afrodite(Ἀφροδίτ), a deusa do amor, prometeu uma estátua de madeira de murta à deusa se ele pudesse conquistar o coração de Hipodâmia; A princesa, alvo das flechas infalíveis de Eros(Ἔρως), também apaixonou-se por Pélops. Por isso, a princesa suplicou-lhe que não inscrevesse seu nome na longa lista de heróis mortos.
— Os cavalos de meu pai são os mais velozes do mundo e em toda a Hélade não existe áuriga mais hábil do que ele. Eu o suplico que vá embora e nunca mais voltes a me ver! Prefiro isso a vê-lo perder a vida por minha causa!
— Não perderei a vida! Enômaus quem perderá a filha. Minha carruagem e meus cavalos são um presente de Poseidon e são velozes como o Vento. Os deuses estão a meu favor e me ajudarão a vencer.
Dessa maneira, Pélops apareceu diante de Enômaus, pediu-lhe a mão da filha em casamento e declarou-se pronto a aceitar o desafio.
— Muito bem... Como é mesmo o seu nome?
— Pélops.
— Pélops... Muito bem, Pélops. Como você não dá valor a sua vida, também eu não darei. Concedo-o o mesmo favor que concedi aos outros candidatos e permitirei que você saia muito antes de mim. Além do mais, o concederei cavalos velozes que você terá a honra de conduzir. Mas assim mesmo, quando eu alcançar... eu te mandarei para o Hades!
— Não, Majestade, não se incomode, pois eu tenho meus próprios cavalos.
— Muito bem, que seja como quer. Prepare-os e leve-os amanhã pela manhã para junto do Templo de Zeus.
— Tão grande é o meu amor por sua filha, a princesa, que apesar de tudo, aceito seu desafio para a corrida, rei Enômaus, com a condição de casar-me com sua filha se vencer e com a garantia que não serei traído pela gente de sua corte.
— Tudo bem, Pélops, se é o que quer, tem a minha palavra, e minha gente lhe será fiel. Assim ordeno. Amanhã, pela manhã, todos se reunirão fora dos muros da cidade para presenciar esse evento.
Pélops, porém, acreditava poder contar com a ajuda de seu amigo Hermes. E esse deus consultou o pai Zeus:
— Por acaso vamos deixar Pélops morrer agora, depois do trabalho que tivemos para desfazer o crime de Tântalos?
Zeus estava pensando a mesma coisa. Então, dando sua bênção paterna a Hermes, ordenou-lhe que partisse à procura de seu filho Mírtilos(Μυρτίλος) que ocupava o cargo de principal áuriga do rei de Pisa, a fim de prepará-lo para receber Pélops como seu melhor amigo. Depois, foi a vez de Pélops:
— Quais as possibilidades que tenho de vencer o rei?
— Nenhuma. Não existem, no mundo, cavalos tão velozes como os do rei Enômaus. Além disso, é longo o percurso, de mais ou menos 100 milhas, e o rei conhece esse trajeto palmo a palmo. Competir com ele, na corrida, é ir ao encontro da Morte. — respondeu Mírtilos.
— Entretanto, um dia o próprio rei há de morrer, e nesse dia deverá perder o trono.
— Ora, Pélops, a princesa terá a liberdade de se casar com quem quiser, e seu marido será o futuro soberano. Porém, Enômaus é vigoroso e sadio; não se engane. Muitos anos ainda se poderão escoar antes que ele venha a falecer.
Apesar do presente de Poseidon, Pélops, para certificar-se ainda mais da vitória, em conformidade com Hipodâmia, tentou corromper Mírtilos, o áuriga de Enômaus, que então servia como seu cocheiro.
— Isso é verdade, a menos que venha a sofrer algum acidente. Eu daria a metade do meu reino para desposar Hipodâmia imediatamente.
— Não deve estar falando a sério... Promete mesmo dar-me a metade do seu reino quando subir ao trono?
— Juro pelas águas do Estige.
Mírtilos pôs-se a pensar, apesar de todas as suas dúvidas. No entanto, para mostrar-lhe que sabia o que fazer, se preciso fosse, disse-lhe:
— É... eu poderia fazê-lo...
— E de que maneira o conseguiria?
— A cavilha que prende a roda ao eixo do carro do rei está gasta e frágil; eu já ia substituí-la. Mas, se eu deixar em seu lugar a cavilha velha, e o rei competir na corrida contigo, então a cavilha não resistirá e, cedo ou tarde, durante o percurso, há de se partir. Nestas condições, não terás dificuldade em ganhar a corrida.
— Ele não irá se certificar de que trocaste a peça defeituosa? Tudo irá por água abaixo... — Incitou Pélops.
— É certo. Mas a revestirei de cera, que parecerá nova, além disso darei um corte no serrote para facilitar o rompimento. Mas não o prometo nada ainda. Terei que pensar no assunto.
Independentemente da resposta de Mírtilos, Pélops estava decidido a conquistar o prêmio da competição. Pensava que valia a pena arriscar, apesar das tentativas de seus amigos em fazê-lo mudar de idéia.
Os arautos saíram pela cidade anunciando a competição. Mas, Mírtilos, à noite, ainda se ocupava em pensar sobre o assunto que lhe atormentava e lhe enchia de dúvidas; já estava desistindo de ajudar aquele estrangeiro; era fiel ao seu rei e jamais obedeceria ao estrangeiro, exceto se seu pai assim o quisesse. E assim ocorreu. Hermes foi até seu filho e lhe disse:
— Ouça, Mírtilos, desta vez quero que Enômaus morra em vez de morrer o desafiante. Dê um jeito de que aconteça algo ao carro de seu rei durante a corrida. Este é o desejo de Zeus e o meu desejo.
Mas não foi o suficiente. Ele próprio estava apaixonado pela princesa, e não poderia ajudar o seu rival a conquistá-la. Para tanto, como último recurso, a própria Hipodâmia, sentindo que Mírtilos resistia, teve que procurá-lo e prometer que passaria com ele uma noite se ajudasse Pélops a conquistar a vitória; deixando-se assim corromper, não foi preciso mais nenhum outro recurso para convencê-lo, passando a ser o daimon daquele casamento, a quem a primeira noite pertencia de um modo especial.
Como Mírtilos era tão engenhoso quanto seu pai Hermes. Por isso, naquela mesma noite, ele foi até a biga de Enômaus e retirou o pino que segurava a roda ao eixo e revestiu-o de uma quantidade de cera. Depois, poliu o pino e deu-lhe o aspecto de novo. Ele ainda serrou um pouco os raios das rodas do carro de Enômaus. Em seguida, foi procurar Pélops, no meio da noite, a fim de dizer-lhe ter mudado de ideia, desejando ajudá-lo.
Na manhã seguinte. Hipodâmia foi ocupar o seu lugar num castelo fora dos limites de Pisa, de onde podia apreciar melhor a competição. E quando o rei Enômaus viu chegando seu concorrente, que conduzia os cavalos de Poseidon, reconheceu que os deuses o auxiliavam, por isso tentou persuadi-lo a desistir, mas Pélops já estava decidido, e o rei não pôde fazer nada a respeito.
Em disparada, Pélops saiu do Templo de Zeus, no lugar onde mais tarde surgiria a cidade de Olímpia, correndo rumo leste, em direção ao istmo de Corinto e procurando chegar ao Templo de Poseidon antes do por-do-sol. Como de costume, Enômaus deu a Pélops uma vantagem muito boa, enquanto fazia um sacrifício a Zeus, no pátio do palácio, bem perto de onde estavam penduradas as cabeças dos ex-pretendentes. Terminado o sacrifício,
Pélops já estava bem à frente. Enômaus, então, despreocupado, tomou seu carro e disparou na velocidade de um raio. Como o filho de Tântalos também possuía cavalos rápidos, o rei de Pisa teve que correr muito sem sequer avistá-lo.
Enômaus começou a ficar assustado e começou a bater nas suas éguas para que corressem mais rápido. Finalmente, ele viu a quadriga de Pélops ao longe, com uma boa vantagem. Isso renovou-lhe as esperanças, e seus cavalos correram como se tivessem ganho novas forças. A distância entre os dois corredores diminuía cada vez mais.
Virando a cabeça, Pélops viu o ameaçador Enômaus que avançava feroz como uma tempestade. Começou a disputa desesperada. Os animais de Pélops relampejavam rápidos ganhando terreno como que sentindo-se perseguidos por um inimigo mortal. Enômaus conseguiu diminuir ainda mais a distância entre eles, mas em um esforço sobre-humano, Pélops imprimiu maior velocidade a seus cavalos. Os dois disputantes ganhavam terreno, tinham o coração quase saltando pela garganta, pois sabiam que aquela era uma corrida de vida ou morte.
Enômaus fez outro esforço desesperado, furiosamente espancou seus animais que começaram a ganhar mais terreno ainda. Os cavalos de Pélops não conseguiam ser mais velozes, a distância entre eles diminuía de um modo assustador. Nada mais conseguiria segurar Enômaus. Ansioso, ele batia os pés no fundo do carro, e a mão segurava firme a lança mortal.
Um diabólico sorriso de satisfação apareceu-lhe nos lábios porque já antevia o momento final da vitória, porque mais e mais se aproximava. O rei tinha certeza absoluta do resultado da corrida quando, a pouca distância, já se avistavam os contornos do Templo de Poseidon.
Enômaus conseguiu ser ainda mais veloz! Desesperado, Pélops tentava manter-se na dianteira. Entretanto, suas montarias já haviam dado tudo o que podiam. E suplicou:
— Ó deuses! Por que me abandonam agora depois de me haverem devolvido a vida que meu pai me tirou?
Parecia mesmo que os deuses haviam se esquecido dele, pois o pino revestido de cera continuava segurando firme a roda ao eixo. Enômaus aproximava-se ameaçador como um furacão, as rodas da biga iam deixando um sulco firme no caminho semeado de pedras. O momento que ele tanto esperava havia chegado.
Com um grito de arrepiar os cabelos, ele ergueu a lança para dar o golpe mortal nas costas de Pélops quando, de repente, a roda direita do carro voou pelos ares. O carro real tombou, o rei foi lançado ao solo e caiu de cabeça nas pedras. Pélops parou seus cavalos e retornou para ver se Enômaus ainda vivia, e encontrou estendido e ofegante. Pélops, amarrando as rédeas ao carro, desceu depressa e foi acudi-lo para ouvir suas últimas palavras.
— Rei Enômaus!
— Foi uma bela corrida, Pélops, e sinto-me satisfeito que você viva para me suceder ao trono. O patife do Mírtilos... aquele irresponsável... avisei-o de que a cavilha estava fraca... disse-me que ia trocá-lo... por outra nova. Castigue-o por mim, Pélops, pois vou morrer pela sua... desídia...
Foram suas derradeiras palavras. Pélops levou seu corpo de volta a Pisa. Assim terminaram os dias do sangrento rei Enômaus, terminando também a corrida para a Morte. Graças a Mírtilos, o filho do deus Hermes, Pélops foi declarado vitorioso.
Zeus, do alto do Olimpo, muito irado pela morte de seu protegido, mandou o filho Hefaístos produzir seus raios e os atirou no castelo onde estava Hipodâmia. Quando Pélops retornou da corrida, levando o corpo do rei para ser enterrado, o palácio real estava em chamas. Apenas uma das colunas estava ainda de pé e era aí que sobrevivia, por um milagre, a bela noiva. Então Pélops, com o auxílio de seus cavalos, que se tornavam alados, fez com que sua carruagem voasse por sobre o palácio e conseguiu a salvação de sua amada, com a qual seria muito feliz.
Pélops desposou Hipodâmia. Mas Mírtilos, querendo o seu quinhão no acordo que fizera com Hipodâmia, foi reclamar a Pélops o que deviam a ele. No entanto, alegando que não soubera do trato e não estava de acordo, recusou entregar-lhe a esposa para a primeira noite de núpcias, e Mírtilos, sentindo-se iludido, retirou-se e foi reclamar aos deuses no Templo de Zeus. Enquanto isso, Pélops, ao lado de Hipodâmia, tornava-se o novo rei da terra antes governada por Enômaus. Muitos e muitos dias se passaram sem que o rei Pélops se pronunciasse a cumprir sua promessa.
Quando Pélops ficou sabendo que Mírtilos havia salvo sua vida graças a Hermes, decidiu construir um templo em honra daquele deus. E, segundo boatos da época, teria sido o primeiro templo construído a algum deus naquele país. Em seguida, chamou Mírtilos de volta para falar-lhe de sua recompensa:
— Peça o que quiser e eu concederei, meu amigo. Mas sabe que Hipodâmia não pode fazer parte de seus planos.
Como lhe foi recusado uma noite com Hipodâmia, não tendo mais nada a perder, Mírtilos decidiu pedir o mesmo preço que achava valer pelo que não havia recebido:
— Quero a metade de seu reino. Nem mais nem menos. Você me prometeu.
Pélops, surpreso, ficou muito apreensivo. A idéia de cumprir a palavra empenhada foi muito difícil. O novo soberano passou a noite toda pensativo, sem dormir, e, na manhã seguinte, bem cedo, mandou chamar Mírtilos. Sob o pretexto de irem ver os limites das novas terras que lhe seriam entregues, da parte central até o outro lado da Ápia, bem longe de Pisa. Enquanto percorriam o território, com Mírtilos conduzindo a biga, este lembrou-lhe:
— O senhor sabe, rei Pélops, que não foi somente com a ajuda dos deuses que ganhou a corrida. Fui eu que fiz com que se desprendesse a roda do carro do falecido rei Enômaus. Bem sabe que deve me recompensar.
— É verdade, admito.
Pélops fez-lhe sinal para subir o monte, onde ficava um templo, desejando sacrificar aos deuses. Chegando bem próximo do penhasco, Mírtilos puxou as rédeas para deter os corcéis. E o rei continuou:
— Em seus últimos instantes falou-me o rei de você, Mírtilos, pedindo-me que o castigasse. Talvez fosse um demente.
— Você não poderia agir por essa forma, já que foi por causa de suas promessas de recompensa que eu não substituí a cavilha.
Pélops apenas olhou-o e desceu do carro. E o rei, antes de se dirigir ao altar, aproximou-se do penhasco e mostrou-lhe o território que lhe prometera, até onde a vista podia alcançar.
— Vê, Mírtilos, eis a terra que o prometi. Poderá se tornar rei e construir uma bela cidade. Ou, quem sabe, se preferir ser um grande proprietário de terras cultivadas...
Mírtilos interrompeu-o:
— Rei Pélops, sinto que desconfia de minha fidelidade. Sei que me portei como um traidor, mas...
— Quere que eu seja perseguido pelas Erínias por desobedecer às ordens de um rei moribundo? Além disso, você traiu o seu soberano, sem dúvida, em meu benefício, somente para receber uma recompensa. Como terei certeza de que você não vai me trair futuramente também?
Mírtilos, por algum tempo ficou calado, estranhando a desconfiança de Pélops. Talvez não tivesse intenção alguma de traí-lo, apesar de ter vários motivos para isso. E, pensando em defender-se de qualquer acusação, tentou explicar-se:
— Ora, Pélops, eu...
Pélops não esperou resposta; para que Mírtilos não falasse a ninguém sobre a traição, Pélops com um inesperado empurrão, atirou-o ao mar, pretendendo matá-lo. Mírtilos foi caindo, bateu nas saliências rochosas, feriu-se gravemente, quebrou braços e pernas e caiu na falésia. Quando tentou erguer-se, todo dolorido, foi tragado pelas águas nervosas do Arquipélago. Enquanto mergulhava para a Morte, Mírtilos lançou uma maldição sobre Pélops e e toda a sua descendência, que certamente se cumpriria por muitas desgraças, por várias gerações:
— Pélops, verme maldito! Caia minha maldição sobre a sua cabeça e sobre todos da sua estirpe! Possam a desonra e a traição perseguir-lo pelo resto da tua vida e levá-lo à Morte, assim como atentou contra a minha! Recaia minha maldição sobre você e tua família para sempre!
Uma onda lhe calou a boca agonizante. Mírtilos submergiu, desaparecendo para sempre. Por longo espaço de tempo, ficou Pélops imóvel e pensativo a contemplar as rochas manchadas de sangue e o embate espumoso das ondas.
O filho de Tântalos implorou a Hermes que o protegesse contra a maldição, mas apesar de o haver salvo antes duas vezes, na terceira Hermes se fez de surdo. Pélops havia-lhe assassinado o filho como ainda havia traído o amigo que lhe salvou a vida. Portanto, a maldição de Mírtilos haveria de se cumprir, de uma geração para a outra, através de desgraças, crimes graves e hediondos, todos punidos pelo castigo divino.
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