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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Capítulo 64: ARACNE, A TECELÃ QUE DESAFIOU ATHENA

Aracne(Αράχνη). Por Genzoman.

Athena(Ἀθάνα) não esqueceu de sua promessa a Dionísio(Διονυσος) e, resolvida mesmo a presenteá-lo, desceu do Olimpo para procurar Hefesto(Ἥφαιστος), em sua forja, na cratera do vulcão. Hefesto, depois que Afrodite(Ἀφροδίτ) o abandonou, unira-se a Cáris(χάρις), uma das Cárites, e depois a Aglaia(Αγλαΐα), a mais nova das Graças. Foi pai de Ardal(Αρδαλος) o escultor lendário, de Palemon, que vivia em campanhas e viagens e de Perifetes(Περιφήτης), que se tornara um assaltante de estradas. Tinha pernas defeituosas e apoiava-se num bastão de bronze, que usava para atacar os viajantes.

Mas a maior parte de seu tempo Hefesto passava na forja, aquecendo-se no calor das caldeiras e procurando esquecer o fogo do amor. Descendo do Olimpo, Athena embrenhou-se nas matas cerradas, à procura de Hefesto. Não tinha andado muito, quando ouviu alguém chamar seu nome. Parou e procurou com os olhos. A figura miúda e delicada de Palas(Παλλάς), a filha de Tritão, surgiu por detrás de uma árvore gigantesca. 

— Palas! — exclamou a deusa, correndo para abraçar a amiga — O que faz por aqui, tão perto do Olimpo?

Palas não conseguia disfarçar sua alegria. — Queria tanto vê-la, Athena! Esperava alguém que pudesse levar a você uma mensagem minha. 

— Mas o que houve, Palas? Algum problema?

Palas sacudiu a cabeça e olhou a deusa com ternura. — Nenhum problema... Apenas estava com saudades de você.

Athena deu uma risada alegre e pousou um beijo rápido na boca delicada da moça. — Ora essa, Palas, não seja tão sentimental! 

— Athena — disse Palas, corando — você a única amiga que tenho. Sinto falta sua.

Athena enlaçou-a com ternura.

— Palas, sua amizade me faz muito feliz. Sei que não são muitos os que gostam de mim. Há até quem diga que sou má e vingativa.

— Às vezes você é cruel, realmente, mas mesmo assim a amo muito.

Atena não respondeu. Sabia que Palas se referia a Aracne(Αράχνη).

Numa pequena cidade da Meônia (Lídia), chamada Hipenos, morava uma moça linda de origem humilde, Aracne, filha do tintureiro de lã Idmon(Ιδμων), da cidade de Cólofon. Sua mãe, também de família pobre, havia morrido quando ainda era jovem. Desde a mais tenra idade já revelava um inigualável talento para a arte de bordar e tecer, e à medida que Aracne foi tornando-se adulta, sua arte também mais e mais se aperfeiçoava, logo adquirindo reputação em todas as cidades da Lídia pela beleza dos seus trabalhos. 

Ela tecia fios tão finos, quase imperceptíveis e seus trabalhos eram disputados por todas as mulheres da cidade. Princesas e nobres de inúmeros lugares também acorriam, sem se importar com a distância, desde que pudessem levar para casa algum trabalho saído das mãos da extraordinária artesã. De toda a Hélade, vinham pessoas para conhecer suas tapeçarias e pagavam verdadeiras fortunas para possuí-las. Até os orgulhosos deuses, que não gostavam muito de enaltecer o trabalho dos mortais, ficavam encantados.

Freqüentemente, outras bordadeiras passavam horas e horas observando Aracne bordar. Até as Ninfas do Tmolos e do Páctolos tentavam imitá-la, seguir os mesmos passos dados por ela, mas era impossível igualar ou superar tanta perfeição. Aracne sabia fiar e fazer a lã, e embelezava os seus tecidos com desenhos encantadores realçados por todas as cores do arco-íris. Logo seus trabalhos eram admirados em toda a Grécia. 

— Bordado é o da Aracne, o resto é bobagem — diziam as moças, que saíam da casa da talentosa jovem com suas peças estendidas, admirando à luz do sol o tom diversamente colorido dos bordados e das tramas.

De tal forma a fama de Aracne cresceu, que mesmo as ninfas dos rios e lagos próximos deixavam as águas para admirar os trabalhos da tecelã, o que a deixara muito vaidosa.

— Tu és realmente a melhor, Aracne. E deves ser preferida da deusa Atena... Sem a proteção dela, seria impossível tecer tão belas obras.

As mulheres corroíam-se de inveja, todas as vezes que elas a visitavam. E Aracne foi ficando extremamente irritada. Desde que começara a bordar, nunca fizera um único pedido ou oferenda à deusa. Por isso, quando ouviu-as falar assim, retrucava:

— Pois fiquem sabendo que nunca fui discípula de Athena. Não existe melhor bordadeira do que eu! — dizia ela a todos os que admiravam a beleza de seus tecidos.— Não preciso dela para criar! A deusa não tem qualquer influência sobre a minha arte. Com ela nada aprendi. Sou a melhor, graças ao meu esforço e talento! E sua arte à minha não se compara! Definitivamente meus trabalhos são mais perfeitos que os de Athena!—  Envaidecia-se, porém, de tal modo com o seu talento, que por toda parte apregoava não ter receio de qualquer mulher que a desafiasse.

Assustadas, as pessoas a advertiam e aconselhavam-na a não desafiar Athena, a protetora dos fiandeiros. Mas Aracne não tinha medo. As mulheres ficavam indignadas com tamanha pretensão. Até que um dia, foram ao templo de Athena e invocaram:

— Oh, poderosa deusa! Por quanto tempo viemos aqui, fizemos oferendas e imploramos por tua graça, mas parece não nos ouvir...!

Suas palavras chegaram aos ouvidos da deusa. Athena ouviu a reclamação e, como não entendeu os motivos, apareceu-lhes, causando-lhes espanto, e pediu maiores explicações.

— Por que me acusam dessa maneira, ingratas?

— Ora, ingrata é Aracne que esbanja habilidade, tem fama de ser a melhor fiandeira da Grécia e diz por aí que nunca precisou de ti para nada. Quanto a nós, fiéis discípulas, não recebemos nem a metade de tanto talento.

Athena ficou enfurecida.  Ora, deuses e deusas não suportam que lhes falem nesse tom, ainda mais quando um de seus atributos é posto em dúvida. A deusa, considerada a protetora das obreiras e dos artesãos, não admitia que uma reles mortal pudesse sequer emparelhar com as suas obras, respeitadas em todo o Olimpo. Na mesma hora, decidiu ir ver se tanta arrogância era realmente verdade.

— Quem é mesmo essa fulana? 

— Aracne é o seu nome — disse uma das mulheres, que sob o pretexto de fazer um favor saboreava, na verdade, o despeito da outra.

No mesmo dia Athena decidiu apresentar-se diante da rival e ver se realmente ela era tudo aquilo que afirmavam. E se disfarçou em uma anciã e procurou a moça.

Entardecia. O radiante deus Hélios(Ἥλιος) fazia pose no horizonte para Aracne. Ela bordava na majestosa e rara seda a beleza do deus e seus raios brilhantes, assistida pelas Ninfas, que deitadas sobre a relva se encontravam estupefatas,  admirando o seu magnífico trabalho. Porém, antes que finalizasse seu trabalho, um raio despontou no Céu, anunciando a chegada de alguém. A jovem olhou assustada pensando que fosse Zeus. Mas quando viu que se tratava de uma pobre anciã, baixou a cabeça e voltou a bordar.

— Bom-dia, minha jovem! — disse, aproximando-se.

— Bom-dia, minha senhora — disse Aracne, sem desviar os olhos de seu imenso bordado.

E Atena, que já estava de mau-humor, sob o aspecto de velha andarilha, ficou revoltada com o pouco caso da jovem. Mas pôs os olhos no seu bordado e pensou: " Ela é mesmo uma boa artesã!"

E a velha, apoiada a seu bordão, exclamou:

— Que belo trabalho estás fazendo!

— É o que todos dizem.

— Sei... Mas convém agradecer sempre a Athena este dom recebido — disse a velha.

— Ora, e que méritos eu teria se devo exclusivamente a ela meu talento? — disse Aracne. — Que a deusa cuide de seus bordados que eu cuido dos meus.

Um sussurro de espanto correu por entre as ninfas.

— Oh, não diga isto! — disse a velha, escandalizada. — Não percebe que é uma ingratidão sem tamanho?

Aracne não deu a mínima.

— Vovó, por favor, me deixe trabalhar em paz — disse a jovem, pondo um fim na conversa.

A velha censurava-a em termos amigáveis pela inconveniência da pretensão de uma simples mortal se comparar a uma deusa, e sobretudo à deusa da qual procedia toda a indústria humana:

— Menina, ouça meu conselho: os anos me pesam nos ombros, mas me ensinaram muita coisa. Portanto, preste atenção ao que vou dizer: compare o seu trabalho com o de outras mortais, mas não queira competir com uma deusa! Dê-se por satisfeita com a fama que tem; dê-se por satisfeita com a fama de ser a mais habilidosa tecelã dentre todas as mortais, Aracne. — disse a anciã — seus bordados são maravilhosos, mas não deve provocar a ira dos deuses. Eles se ofendem com facilidade ... Seja humilde diante da deusa. Levante-lhe uma prece pela desfeita que fez e peça o perdão! Ela a perdoará de boa vontade...

Aracne ofendeu-se, acolheu muito mal a anciã, que assim lhe falava, e, fitando-a de sobrolho carregado, avançou para ela disposta e deu uma gargalhada, dizendo: 

— Bondosa senhora, — disse ela, empinando o nariz — agradeço seus cuidados, mas vejo que a idade deixou-a de coração mole, velha! Guarde seus conselhos para as suas filhas, não para mim. Sei que meus trabalhos são melhores que os de Athena e, se a deusa se apresentasse, eu saberia muito bem confundi-la, mas que ela não ousaria, certamente, empreender uma luta que lhe seria desvantajosa. Por isso, que ela que não se atreva a aparecer por aqui!

Atena, diante daquelas palavras, disse-lhe:

— É esta, então, a idéia que tem de mim, atrevida? — Indignada, a velha revelou o seu verdadeiro aspecto, envolvida por uma forte luz, e se impôs:

— Que desrespeito é esse, mortal?! Ajoelhe-se e escute bem o que tenho a dizer.

As Ninfas se assustaram com a súbita transfiguração e caíram aos pés da deusa e a reverenciaram.

— Olhe para mim, sua mal-agradecida!

Aracne, hesitando várias vezes, permaneceu imóvel, em pé, e quase não se percebeu o suave rubor que tomou a sua face, pois era por demais fria e arrogante. No entanto, notando que Athena sentia-se muito ofendida, acabou obedecendo.

— Ouvi dizer que você anda espalhando que não precisa de minha interferência para o seu talento, isso é verdade?

— É isso mesmo, deusa! Sempre fui melhor bordadeira que você, por isso achei uma grande perda de tempo ficar fazendo oferendas a alguém que tem muito o que aprender comigo.

Athena teve vontade de acabar com a petulância de Aracne, ali mesmo, naquele momento, mas conteve-se, pois deveria mostrar às mulheres de Atenas, às Ninfas e aos deuses do Olimpo que jamais poderia ser desafiada e ser superada.

— Pois bem, Aracne. Proponho que façamos um concurso para decidir quem é a melhor fiandeira. Caso você perca, seu dom de bordar e fiar será dado a outra mortal menos arrogante.

Aracne confiava tanto em seu talento natural, que aceitou o desafio impensavelmente, subestimando Athena em se tratar de uma deusa. Algumas mulheres que estavam escondidas, presenciando tudo, saíram correndo para espalhar o que havia acontecido.

A deusa voltou para o Olimpo a fim de preparar-se. Pediu proteção ao poderoso  Zeus(Ζεύς), iluminação a Apolo(Ἀπόλλων), encantamento a Afrodite(Ἀφροδίτ) e coragem a Ares(Ἄρης). Depois, foi descansar.

Dias antes do concurso, Athena não resistiu e foi espionar sua concorrente. Imaginava que estivesse desesperada, treinando feito louca. Porém, surpreendeu-se com Aracne terminando o bordado do deus Hélios, cantarolando, feliz da vida.

A deusa, então, resolveu disfarçar-se de velha de novo e ir aconselhar, mais uma vez, a jovem artista, pensando em dar a ela uma chance de se arrepender e pedir-lhe perdão.

— Escuta, minha filha, sou uma velha adivinha. Vivi tantos anos e vi muitas coisas... Mas nunca soube de um único mortal que tivesse desafiado os deuses e se dado bem. Pense bem e volte atrás. Todos os mortais adquirem seus talentos graças aos deuses.

— Não se preocupe, boa senhora! Sei o que estou fazendo. Athena não é páreo para mim.

Estas palavras eram mais do que a paciência da deusa poderia suportar. No mesmo instante, desfez-se do disfarce e gritou, furiosa:

— Comecemos agora mesmo este concurso! Vou provar sua inferioridade perante a minha sabedoria e poder. Depois, você nunca mais bordará novamente.

Não se podia saber qual seria a vencedora daquele empolgante confronto. 


Assim, ao sinal da deusa, as duas tomando seus lugares nos teares preparados às pressas, pegaram as agulhas e começaram a bordar, no momento em que alguns deuses surgiam para testemunhar a competição. Os dedos ágeis desfiavam a lã e a colocavam rapidamente sob os pentes do tear que tinham à frente. 

Os fios deslizavam, esticados ao máximo, parecendo as cordas afinadas de um piano. As mãos divinas de Atena tocavam a laçadeira com movimentos rápidos e graciosos. Como se estivessem dançando ao som de melodias celestiais, seus dedos corriam ágeis entre as bobinas coloridas, colocando fio por fio na posição exata. 

Nem bem saíam da máquina e dedos os capturavam, comprimindo-os sob as agulhas douradas.Começaram a bordar e a tecer telas com desenhos feitos por elas mesmas, que contavam histórias dos deuses. 

Aos poucos as figuras ganhavam forma nas armações quadradas que cada qual tinha diante de si. Os fios de diversas cores passavam pelos dedos das mulheres como os fios que tecem o arco-íris, misturando-se numa mesma maçaroca. mas saindo separados e uniformes sobre a tela.

— Veja, a tela de Atena está mais bela — dizia uma ninfa, observando o trabalho da deusa, que começava a ganhar forma diante dos olhos de todas. De fato, o mar, os peixes, o deus Poseidon com seu tridente, tudo parecia adquirir vida própria, enquanto os dedos finos da deusa tramavam agilmente as linhas de diversas cores.

— Não, o de Aracne é mais belo — disse outra ninfa, abaixando o tom de voz para não ofender a deusa. O tapete de Aracne, com efeito, não ficava a dever nada ao da sua rival em matéria de cor, beleza e vivacidade. Todas podiam ver aos poucos o alvo touro que raptara Europa ganhar forma sob as costuras. O alvo fio ia desenhando o contorno da bela jovem com tal perfeição que ela parecia estar viva e prestes a sair do tapete: seus pés erguiam-se a poucos centímetros da água de um anil perfeito, por sobre a qual era levada pelo animal.

Durante três dias, as concorrentes não pararam nem para comer ou dormir, sob os olhos atentos dos deuses. Ao final do quarto dia, Athena e Aracne terminaram o trabalho diante de Ninfas, deuses e alguns mortais, que estavam ali para o julgamento. A medida que as duas finalizavam o trabalho, a ansiedade e a expectativa das ninfas tornavam-se quase insuportáveis. De repente, Atena pôs-se em pé, com um grito de triunfo:

— Pronto, amadora, apresente também o seu trabalho!

Aracne, dando o último nó em seu bordado, ergueu-o desafiadoramente.

— Que as ninfas julguem com imparcialidade! — disse, encarando a rival.

O bordado da deusa Athena era perfeito. Trabalhado com uma perícia sem igual, via-se a Acrópole de Atenas. Lá estavam reunidos todos os deuses do Olimpo votando para quem deveriam entregar a proteção da cidade de Cécrops: a Athena ou a Poseidon(Ποσειδῶν). 

Nos quatro cantos do grande retrato principal, ela teceu quatro pequenos quadros que retratavam casos de pura arrogância humana e sua punição pelos deuses. Em um via-se o rei trácio Hémos(Αίμος) com sua mulher Ródope(Ροδόπη), que chamavam-se de Zeus e Hera e foram transformados em montanhas; em outro canto, via-se a infeliz mãe dos pigmeus que, vencida por Hera, foi transformada em garça e obrigada a lutar com seus próprios filhos; no terceiro quadrado estava Antígone(Αντιγόνη), a belíssima filha de Laómedon(Λαομέδων), que se orgulhava tanto de sua beleza e de seus cabelos que se comparava a Hera e, por isso, teve seus cabelos transformados em serpentes que mordiam durante todo o dia até que Zeus, apiedado, a transformou em cegonha; por fim, retratou Cíniras lamentando o destino de suas filhas, que haviam excitado o ódio de Héra com seu orgulho... A deusa as transformou em degraus de seu próprio templo. Todos esses retratos foram rodeados com uma coroa de folhas de oliveira.

Athena, sem olhar o trabalho de Aracne, já se sentindo vitoriosa, desafiou, mostrando o seu:

— O que haveria de mais criativo e belo para se bordar?

Todos bateram palmas e reconheceram quão maravilhosa ficara a sua arte.

Atena, arrebatando o tapete das mãos de Aracne, comeu-o com os olhos. Enquanto o estudava, procurava com ele ocultar o próprio rosto, a fim de que as demais não vissem a admiração estampada na sua face.

"Maldita! Seu trabalho tenho de reconhecer, é magnífico! A mais bela obra de todos os tempos! Esplêndido!", pensou a deusa.

Em seu tear, Aracne havia tecido uma cena representando os deuses dominados por sua fraqueza e baixos instintos. Cada detalhe na tapeçaria era um insulto aos deuses do Olimpo. Especialmente, bordara o poderoso Zeus e todos os seus amores proibidos, que eram nada mais nada menos que quarenta desenhos. Todos os gráficos foram rodeados por uma coroa de louros com pequenas flores harmoniosas. A jovem estava emocionada com o resultado. Nem ela imaginava que fosse capaz de tal perfeição. Athena temendo, porém, que as julgadoras chegassem à mesma conclusão, perdeu a cabeça, puxou sua espada e disse zangada:

— Que pena! Mas que esta seja uma lição para que todos aprendam que a arte nasce do Amor e não da Provocação!

E, agarrando a tapeçaria de Aracne, fez em mil pedaços a obra da jovem artista. 

Aracne gritou, blasfemou e, em meio a tanta humilhação, e correu em direção a rival. 

— Oh, como você é cruel e injusta! — disse Aracne, tomada pela ira. Em seguida, rasgou também o trabalho da rival, sapateando em cima. — Veja o que restou de seu horrível bordado — disse, arreganhando os dentes para a deusa.

Isto foi demais para a paciência de Atena, que não podia admitir tamanha afronta de uma reles mortal.

— Aracne, — disse ela, apontando para ela o dedo vingador — vou paralisar seus dedos, para que nunca mais possa bordar.

Aracne gritou e correu, apavorada. Sabia que os deuses não voltavam atrás em suas ameaças.

— Antes a morte, que ficar aleijada para sempre, vítima dos risos e chacotas daqueles que conheço! — E correu para fora em desespero para enforcar-se numa árvore.

Zeus, que do alto do Olimpo a tudo observava, repreendeu:

— Oh! Pobre menina! Por que fez esta maldade, Athena? Era o melhor bordado que já vi... Trate de dar um jeito de reparar seu erro!

Arrependida por tamanha injustiça e temendo a fúria de Zeus seu pai, Atena decidiu consolá-la. Aproximando-se da árvore a tempo para impedir o suicídio e, usando seus poderes, no momento em que a jovem se atirava para a Morte, Atena sustentou-a no ar, impedindo que se estrangulasse, e disse-lhe:

— Veja, aí está o prêmio da sua arrogância! — disse a deusa, com uma risada de escárnio.— Viverá, Aracne, mas continuará a tecer e ficará para sempre pendurada desta maneira; será o castigo seu e de toda toda a sua descendência...

A moça, que ainda estava sob o efeito da cólera, sentiu que a cabeça e o corpo lhe diminuíam de volume até transformar-se numa bola negra. Depois, de seus flancos saíram minúsculas patas cabeludas, o que encheu de horror as ninfas, que se lançaram à água, temerosas de que a deusa resolvesse puni-las também. Athena transformou Aracne num inseto, que, a partir de então, passou a tecer delicadas teias por todos os lados, e a ele deu o nome de aracne, “aranha”.

Já ia dando as costas para se retirar, quando percebeu um ruído vindo da árvore. Voltou-se e viu que a criatura negra movimentava suas pernas com extraordinária agilidade, costurando um manto com uma seda extremamente fina que retirava de seu dorso abaulado. Aos poucos Atena viu surgir diante de seus olhos um magnífico bordado circular, que excedia a tudo que ela antes já fizera, como se Aracne, mesmo sob aquela odiosa forma, tivesse se tornado ainda mais talentosa com seus diversos braços. A deusa, reconhecendo-se finalmente derrotada, partiu correndo do maldito bosque...

Do Olimpo, a deusa Athena zelaria por ela, pois o tear de Aracne ainda continuaria encantando as Ninfas, os deuses e os homens por muito tempo.

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