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sábado, 2 de novembro de 2013

Capítulo 62: AGAVE AQUELA QUE DIFAMOU DIONÍSIO E SUA TERRÍVEL PUNIÇÃO

Agave(Αγαυη). Por Daniel Govar.
Dionisio(Διονυσος) foi a Tebas, determinando a punir a família de sua mãe por sua falta de fé, tanto nas suas irmãs como nele próprio. A esta altura, o adivinho Tirésias(Τειρησίας), já havia advertido o rei a não insultar o semideus que se aproximava de Tebas, aconselhando-o a dar-lhe hospitalidade. Informado de que homens, mulheres e crianças de Tebas também participavam do séquito do novo deus, Penteu(Πενθεύς) pôs-se a esbravejar, enfurecido:



— Que loucura tomou conta de vocês, levando-os a participar de um cortejo de moleirões e de mulheres embriagadas? Será que esqueceram completamente de que família de heróis descendem? Querem permitir que um rapaz efeminado conquiste Tebas, um fracote vaidoso com uma coroa de videira sobre sua cabeleira cacheada, que se veste com púrpura e ouro em vez de aço, incapaz de dominar um cavalo e que se acovarda diante de qualquer combate? Se voltarem à razão, verão que ele é um mortal assim como eu, que sou seu primo. Zeus(Ζεύς) não é seu pai, e todas essas honrarias dignas de um deus que ele recebe são falsas!

E voltou-se para seus servos e ordenou-lhes:

— Tragam a mim esse covarde, agora! E o tragam acorrentado!

Os amigos e parentes do rei assustaram-se diante dessa ordem pecaminosa. Tirésias cobriu os olhos vazados pela cegueira, procurando entender tamanha afronta. Até seu avô, Cadmos(Κάδμος), já muito velho, balançou a cabeça, reprovando o gesto do neto. Mas isso incitou ainda mais o ódio de Penteu.

Vendo que seu neto  Penteu não desistia da ideia de impedir Dionísio, de chegar a Tebas. Assim sendo, Cadmos abandonou a cidade junto com sua esposa Harmonia(Ἁρμονία), e fugiu para a Ilíria. Mais tarde, os servos de Penteu, com as cabeças ensangüentadas, vinham contar ao rei tudo o que se passava lá no alto com as Mênades.

— Algumas delas, as mais jovens, depois de despertarem, simplesmente amamentam animais, além de corças, até os filhotes de lobo sugam o seio opulento de uma ou outra tresloucada. Batendo com os cajados no chão, elas fazem saltar fontes de água pura e, querendo leite fresco, basta esfregarem os dedos sobre o solo para que ele brote em abundância! Uns pastores que subiram na montanha as viram e, acoitando-se por detrás das sebes e arbustos, tentaram, liderados por um mais afoito e corajoso, resgatar sua rainha-mãe de um dos coros organizados pelas Mênades, pensando assim poder agradar ao senhor. Mas foi um desastre! Tomadas por uma fúria divina, empunhando tirsos, centenas delas saíram em disparada atrás deles! Não só nos seguiram morro abaixo, como invadiram duas aldeias, não sem antes estraçalhar bois e vacas que encontraram pelo caminho, lançando-se a estripar novilhas com as mãos. Um horror! Os ferros e as lanças que os aldeãs jogaram contra elas revelaram-se inúteis! Elas realizavam prodígios que as deixavam imunes aos assaltos, enquanto uma simples sacudida do tirso abriam chagas enormes a quem se impusesse!

Penteu estava estupefato. E perguntou-lhes:

— Onde está Dionísio? Eu os ordenei que o trouxessem!

— Não vimos Dionísio em lugar nenhum. Mas trouxemos ao senhor um homem de seu séquito. Parece que só há pouco tempo está com ele. Quer interrogá-lo?

E o trouxeram à sua presença. Penteu fitou o prisioneiro com olhos cheios de ódio e então gritou:

— Você está condenado à Morte! Ainda sabe quem são seus pais? E ainda se lembra de onde vem? E por que segue esses costumes bárbaros?

Sem temor, o homem respondeu:

— Meu nome é Acetes(Ἀκοίτης), minha terra é a Meônia. Meus pais são pessoas do povo, e de meu pai não herdei terras nem gado. Ele só me ensinou a pescar, pois era dessa atividade que provinha toda a sua riqueza. — Logo, o jovem começou a relatar como havia se juntado a tripulação dos piratas do mar Tirreno, do encontro miraculoso com Dionísio e da metamorfose da tripulação que havia desrespeitado o jovem deus. — Dos vinte homens, só eu fui poupado, mas tremia e esperava, a qualquer instante, que a mesma transformação fosse acontecer comigo. Mas ele falou em tom amigável, pois eu lhe dera mostras de bondade. Pediu-me para levá-lo a Náxos, e assim o fiz. Quando ali chegamos, ele me consagrou, em seu altar, ao serviço solene de sua divindade. Esse jovem era Dionisio.

E Penteu, já com a paciência por um fio, gritou:

— Já estamos fartos dessa conversa mole. Vamos, levem-no daqui para as masmorras. Torturem-no e o enviem a Hades(Άδης)!

Os soldados tebanos obedeceram e atiraram o marujo acorrentado numa prisão escura. Mas uma mão invisível o libertou.

Penteu enfureceu-se; ordenou para que seus guardas fizessem uma expedição ao monte Citéron para reprimir as Mênades, responsáveis, segundo ele, pela calamidade que atingiu a cidade. E os soldados tebanos atacaram as Mênades, de surpresa. O rei mandou buscá-las e aprisionou todas as conspiradoras, aprendizes das Mênades, na masmorra da cidade. No entanto, semelhante ao que acontecera a Acetes, sem a interferência de nenhum mortal, suas correntes se desfizeram, as portas do presídio se abriram e no delírio báquico elas correram de volta para a floresta.

O soldado encarregado de aprisionar o próprio Dionisio pela força das armas voltou consternado, pois o semideus, sorrindo, deixara-se acorrentar de boa vontade. E assim ele estava agora diante de Penteu, que, muito a contragosto, ficou impressionado com a beleza juvenil e divina de Dionisio. Mas ainda assim persistia em sua cegueira, tratando-o como um caluniador que ostentava falsamente o título de um deus, como seu próprio nome indicava.

— Por que veio aqui? Como ousa se ato denominar de chamas filho de Zeus, quando ameaça os bons costumes das famílias que o próprio senhor do Olimpo protege?

— Eu sou Dionisio, o filho de Zeus, e você é meu parente. E os deuses aprovam a minha missão, é o meu destino e o meu ofício para alcançar o Olimpo. Preciso que pare de me ameaçar com armas, a mim a meus seguidores, e peço que vá você mesmo verificar no monte que minhas liturgias são puras.

— Esse maldito impostor não irá desencaminhar as mulheres do meu reino! — rosnava Penteu, medindo o amplo salão do castelo com passadas largas e nervosas — Quero ver se, na cadeia, conseguirá promover seus loucos rituais!

Penteu zangado terrivelmente, mandou que ele fosse trancafiado na parte mais escura do palácio, junto aos estábulos, num buraco escuro, e preso por pesadas correntes. Mas esqueceu-se que Dionísio era um deus. E ele, mentalmente, mobilizou os espíritos da natureza que foram se aproximando, escondidos por uma proposital invisibilidade. Os silfos mergulharam os guardas em sono profundo, os duendes roubaram as chaves da cadeia e as salamandras atearam fogo ao castelo de Penteu, que conseguiu fugir e ocultou-se nas matas.

Ileso e mais esplêndido do que nunca, Dionísio deixou a cadeia e dirigiu-se à praça principal. Os Sátiros e as Bacantes foram se chegando e formaram seu exótico cortejo, que foi percorrendo as ruas da cidade cantando estranhas canções, entremeadas de silvos agudos e prolongados. Pouco depois, juntou-se ao cortejo Príapo(Πρίαπος), o estranho e disforme Príapo, que a todos chocava com a visão incomum de seu falo gigantesco. Diziam que era filho de Afrodite e Dionísio, após este ter retornado da India. Diziam também que Hera, ciumenta dos amores de Afrodite, fizera Príapo nascer tão deformado que a própria mãe o abandonou no campo, onde foi encontrado e criado por pastores.

E o cortejo cantava e dançava e, pouco a pouco, os homens de Tebas mergulharam em sono profundo e as mulheres, tomadas por uma inebriante excitação, aderiram ao cortejo, também cantando e dançando. E, entre elas, estava Agave, a mãe de Penteu.

Dionísio ia à frente do cortejo, balançando o corpo numa cadência sensual e emitindo sons que obstruíam o raciocínio e estimulavam os instintos. Subiram o monte mais próximo até encontrarem uma clareira que coroava seu cume. E, lá em cima em meio a cantos e danças, as mulheres abraçaram-se aos Sátiros, ondulando seus corpos seminus em meneios lascivos.

Dionísio não tirava os olhos de Agave. Mesmo em meio à música, não se esquecera das calúnias que ela lançara contra Sêmele. Seu olhar magnético enlouquecia Agave cada vez mais e inspirava-lhe insanos delírios.

Um mensageiro após outro vinha informar ao rei Penteu dos feitos milagrosos das mulheres tomadas pelo poder do semideus, conduzidas por sua mãe e as irmãs dela. Quando seu bastão atingia um rochedo, fazia brotar água ou uma bebida espumante, muito estranha; os córregos fluíam cheios de leite, em vez de água; das árvores escorria mel.

— Sim, Majestade, se o senhor estivesse lá e visse Dionísio com seus próprios olhos, teria se ajoelhado diante dele!

E isso só serviu para enfurecer ainda mais o rei Penteu, o soberano de Tebas, que considerava seu primo de cabelos longos e modos afeminados com razoável desconfiança, mas, como deus gradualmente o acabava deixando maluco, confessou seu desejo de ir à montanha e dar uma espiada nas Mênades.

Então, ao atravessar a cidade, foi tomado de loucura. Parecia-lhe que enxergava dois sóis, duas cidades e cada um de seus portões duplicados. Involuntariamente foi tomado de entusiasmo báquico, e avançou. Chegando a um vale profundo, sombreado por pinheiros, onde as sacerdotisas de Dionísio entoavam hinos em honra ao seu deus, coroando tirsos com louros frescos. Mas os olhos de Penteu foram tomados de cegueira.

De seu esconderijo na mata, Penteu vira o cortejo subir o monte e, desesperado,seguira-o em silêncio, escondendo-se nas folhagens. Oculto próximo à clareira, viu os gritos e as danças, as mulheres enlouquecidas abraçadas aos corpos semi-humanos dos Sátiros, as Bacantes despidas incitando a desvairada sensualidade e viu Agave que se contorcia numa lúbrica cadência que se tornava cada vez mais intensa, acompanhando alouca melodia. 

Horrorizado, viu a mãe curvar-se para a frente, em meio às ondulações ritmadas do corpo, até que suas mãos tocaram o solo, agarrando-se à relva macia. E fechou os olhos quando um Sátiro aproximou-se dela e segurou-a pelos quadris. Quando tornou a olhar, o Sátiro se afastara e misturara-se às alegres Bacantes, mas outro já escondera Agave sob seu corpo lanoso.

Dionísio sorria, sem despregar, por momento sequer, sua atenção da louca Agave. Príapo se aproximou dela, com o falo monstruoso ereto como uma lança em´riste e um grito involuntário escapou da garanta de Penteu. Nenhuma folha na floresta se moveu, nenhum ruído de animais selvagens se fez ouvir. As Mênades ergueram-se ao ouvir a sua voz.

Agave parou, escutou, e sua mente desvairada julgou ouvir o rugido de uma fera. Empurrou o Sátiro que ainda resfolegava sobre ela e rastejou até a moita que escondia Penteu. Pelo caminho armou-se com uma enorme acha. Parou junto às folhagens e ouviu a respiração entrecortada que vinha do meio dos arbustos.

Subtamente, ao levantar os olhos, Penteu viu à sua frente a figura de sua mãe, Agave. O rei teve medo, e disse-lhe, tentando abraçá-la:

— Mãe! Me ajuda! Não reconhece mais o seu filho, o seu filho Penteu, que nasceu de seu ventre, na casa de Equíon? Tem piedade de mim, não permita que me façam mal!

Porém a sacerdotisa de Dionísio, enlouquecida, com os olhos arregalados e a boca espumante, não via em Penteu o seu filho. Parecia-lhe estar diante de uma besta. Agarrou-o pelo ombro e armada com a acha bateu uma vez, bateu duas vezes, bateu com toda a força que a loucura despertara, até que o corpo inerte de Penteu caiu a seus pés com a cabeça emplastrada de sangue.

Agave ainda delirante, agarrou a cabeça com seus dedos ensanguentados e ostentou-a, como se fosse a cabeça de uma fera, espetada num tirso, e levou-a pelas florestas do Citéron adentro, seguindo de imediato em direção ao seu glorioso castelo.

Brandindo sobre o triunfo de ter matado a "besta" chegou às ruínas do castelo incendiado. E então compreendeu que perdera tudo. Ao olhar para a cabeça da "fera" abatida Agave gritou, quando viu que matara o próprio filho. Gritou, gritou, e arrasada, saiu da cidade e fugiu para a Ilíria, à procura dos pais.

Cadmos recebeu a filha com lágrimas nos olhos. E chorou mais ainda quando ela lhe falou sobre a destruição do castelo que ele tanto amara. A notícia da chegada de Agave e dos últimos acontecimentos em Tebas correu por toda a Ilíria e todos olhavam cheios de curiosidade aquela que fora vítima da raiva de Dionísio. Até o rei Licoterses(Λυκοθέρση), o rei de um povo bárbaro, a noroeste da Hélade, em terras estranhas, de costumes e deuses igualmente estranhos, quis conhecê-la e seu coração se inundou de amor pela mulher de Tebas. E, atraído pela sua formosura, desposou-a.

Com a morte de Penteu, Cadmos e Harmônia, extremamente abalados, saíram de Tebas numa carruagem puxada por bezerros, e exilaram-se para a terra dos bárbaros Enquelianos (enhelanes), a noroeste da Hélade, para  viver no palácio de Licorteses e tudo fizeram para que a filha se esquecesse rapidamente dos trágicos acontecimentos por que passara e que deixaram em seus olhos um brilho desvairado. Lá foram bem recebidos e hospedados. Esse era o mesmo povo que os Trácios chamavam de “filhos de Hermes”. E quando Licorteses morreu, Cadmos assumiu o trono da Ilíria. 

Houve quem dissesse que Agave assassinara o rei, seu marido,  para assegurar ao pai a posse daquele país. Mas nunca se pôde saber disso com certeza, pois Cadmos jamais contou para ninguém, nem mesmo para Harmonia, que vira a filha, em meio a risos tresloucados, colocar um estranho pó na bebida do rei...

Sem consolo por ter se submetido a loucura Agave partiu novamente, desta vez sem destino certo, pelo mundo...

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