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domingo, 4 de agosto de 2013

Capítulo 34: ANFITRITE, A SENHORA DOS OCEANOS.

ANFITRITE(Ἀμφιτρίτη). Por Genzoman.

Poseidon(Ποσειδῶν), confiante, partiu de seu palácio azulado no fundo do mar em direção a Strongyle, a futura ilha de Náxos, conduzindo seu carro puxado por golfinhos. Fazia um lindo dia de sol quando chegou às margens pedregosas da ilha. 


De fato, por cima dos grandes rochedos franjados pelas espumas do mar, lá estavam as encantadoras filhas de Nereu(Νηρεύς), algumas deitadas, descansando, enquanto outras, mais animadas, executavam os passos de uma movimentada dança. 

De vez em quando uma delas, estirando a longa cauda recoberta de escamas douradas, dava um mergulho repentino nas águas verdes do arquipélago: um grande borrifo verde erguia-se, então, como se elas lanças sem lá do fundo um imenso punhado de esmeraldas, que subiam, faiscando, em todas as direções.

Poseidon, boquiaberto, pasmava para aquela cena paradisíaca.

— Verdadeiramente encantadoras... — exclamou o excitado deus, tratando, em seguida, de sentar-se ligeiro em seu carro.

De repente, ouviu a voz de uma das Nereidas(Νηρείδες).

— Ei, Anfitrite(Ἀμφιτρίτη)! Vem juntar-se a nós, sua boba!

Os olhos de Poseidon voltaram-se para uma grande pedra isolada, que estava situada mais para dentro do mar. A pedra tinha o formato de um leito, magnífico trabalho de polimento operado pelas perfeccionistas Ondas, que durante séculos, com toda a calma, a haviam polido até dar-lhe aquela conformação ideal.

Em cima daquele leito solitário e da cor do chumbo estava estendida a divina Anfitrite. Era uma das poucas Nereidas a ter os cabelos negros, da cor da Noite, enquanto que as escamas de sua longa cauda tinham uma brilhante cor prateada, matizada por maravilhosos reflexos azulados e cor-de-rosa que se alternavam ao menor movimento. 

Com as costas coladas à pedra, Anfitrite dos cabelos negros tinha a face voltada para o alto; seu braço direito, caído sobre o rosto, protegia seus olhos dos raios fortes do Sol, enquanto os peitos firmes apontavam para o céu.

Poseidon pensou: “Que mulher! Se tais são seus lábios e seu nariz... como deverão ser seus divinos olhos!”

Emparelhando com a rocha,  Poseidon esteve longo tempo a observar os traços de Anfitrite, para ver se podia confiar em suas virtudes. Mas a ninfa adorável permanecia com o rosto quase completamente oculto pelo braço. O deus dos mares, na verdade, só podia observar direito o nariz perfeitamente aquilino de Anfitrite e sua boca úmida e carnuda, maravilhosamente desenhada para o beijo.

Um arfar mais indiscreto do deus, contudo, despertou a atenção da formosa Anfitrite. Seu braço caiu e as pestanas de longos cílios recurvos ergueram-se, piscantes — e foi, então, como se duas estrelas houvessem se descortinado.

— Divina e encantadora Anfitrite!— disse a voz rouca ao seu lado.— A partir de hoje tu serás minhas esposa e a ti caberá a honra de ser, para sempre, o repositório sagrado de meu divino sêmen.

Anfitrite, assustada ao ver ao seu lado o deus do mar, de longos cabelos recobertos de mariscos e uma barba hirsuta tostada pelo Sol a lhe dizer tais disparates, deu um ágil mergulho para dentro da água.

Poseidon ainda conseguiu agarrar um pedaço de sua cauda, mas as escamas lisas escorregaram por entre seus dedos, até surgir a grande e quase transparente barbatana, leve e fremente como um leque, que lhe deu uma bofetada, antes de desaparecer nas ondas.

— Para onde foi...?— bradou o deus, desesperado. E Poseidon perdeu-a de vista. 

O deus dos mares percorreu todos os lugares próximos dali, foi procurá-la inúmeras vezes no palácio de Nereu, nas profundezas do mar, mas ninguém sabia dizer onde ela estava. Anfitrite havia sumido e foi esconder-se nos confins da Terra.

Irado, Poseidon começou a sapatear e a bater ferozmente com seu tridente por toda parte, demolindo os imensos rochedos subterrâneos e provocando, com isso, terríveis maremotos na superfície dos oceanos. Ondas imensas eram cuspidas para o alto e montanhas inteiras arremessadas para as costas das aldeias litorâneas, levando o pânico a todos os mortais.

Finalmente, Zeus(Ζεύς), no último limite da aflição, ordenou a Nereu que revelasse o local onde Anfitrite fora se ocultar. O pobre velho não sabia, mas sua esposa Dóris(Δωρίς), como toda boa mãe, sabia.

Depois de um sem-número de pedidos, Zeus finalmente conseguiu obter da mãe das Nereidas o que as súplicas do velho marido não tinham podido alcançar. 

— Somente as carícias de tua divina filha poderão suavizar o rude temperamento de meu irmão.— disse Zeus à ainda reticente Dóris.— E quando isto acontecer, e a crosta primitiva de meu irmão houver caído, verá ela que se casou com um homem gentil e atencioso, além de ter se tornado rainha de todo um império.

— Rainha de todo um império...— resmungou várias vezes a mãe de Anfitrite — Minha filha havia-se também recusado casar-se com Poseidon, porque temia ser forçada a viver longe de seus pais e de suas irmãs. 

Entendendo seu ponto de vista, que era muito justo, ainda assim teve que ceder, embora deixasse bem claro que não fazia questão alguma que sua filha se tornasse uma rainha. Dóris revelou o lugar do esconderijo de sua filha. 

Desesperado, Poseidon, com medo de assustar novamente sua futura esposa, pediu ajuda a seus súditos, os animais marinhos, a fim de localizá-la e prepará-la. Atendendo ao apelo do seu senhor, incentivados por Zeus, dois golfinhos localizaram Anfitrite e conseguiram convencê-la a ouvir o que o deus pretendia dizer-lhe. E Anfitrite, percebendo que não havia saída, aceitou. 

E os golfinhos retornaram para buscar Poseidon, que rumou para lá, silenciosamente, montado em um discreto golfinho. Dentro de uma caverna, oculta por uma floresta de líquens, estava a assustada nereida, quando Poseidon, pé ante pé, adentrou o recinto, desta vez com suas barbas lustrosas e perfumadas.

— Anfitrite adorada! Venha comigo e garanto que não terá jamais motivos para se queixar de mim.

Poseidon parecia realmente mudado: trajado modestamente, sem aquele ar arrogante que o caracterizava, havia deixado em casa até o seu horroroso tridente. Anfitrite, cautelosa, estudou ainda, longamente, o aspecto do deus. Depois, ainda indecisa sobre se deveria ou não aceitar aquela proposta, perguntou, amuada:

— E quanto àquele negócio de “meu repositório de sêmen”?

Poseidon baixou os olhos:

— Oh, não, esquece esta bobagem! Você será, para sempre, apenas o repositório de minha divina devoção e meu divino carinho.

Ainda mais corado por aquele sorriso de superioridade da ninfa, Poseidon enterrou as unhas nas palmas das mãos e resolveu voltar ao velho estilo:

— Venha, vamos de uma vez, minha rainha! — disse, encurralando-a na parede da gruta úmida e dando-lhe um beijo intenso e apaixonado.

Depois levou-a nos braços até o golfinho, e retornaram para o palácio de Poseidon, onde, então, foi preparada uma grandiosa festa de casamento. Desde então, passaram a governar felizes o imenso império dos mares.

Tal acontecimento, fez Poseidon esquecer-se de Deméter por algum tempo, e, em agradecimento, o deus intercedeu junto a seu irmão Zeus que imortalizou os dois golfinhos que o ajudaram nas Constelações. 

Anfitrite foi viver em um majestoso palácio de safira que havia no fundo do mar Arquipélago, não muito longe da costa onde ficava a cidade de Égas, no norte da Acaia, onde haviam-lhe erguido um santuário. 

Longe, acima das águas, as tempestades varriam as superfícies dos mares, mas nas profundezas a paz era eterna. Grupos de Ninfas ficavam à disposição de Anfitrite para realizar-lhe todos os desejos.

Em um carro puxado por quatro corcéis imortais, a deusa sempre que quisesse passeava sobre as ondas ao lado do marido. E quando o casal passava, as ondas se abriam, as aves marítimas voejavam acima de suas cabeças e os golfinhos brincavam alegres nas águas azuis.

Em seus passeios, Poseidon e Anfitrite eram quase sempre acompanhados por um grupo de deuses marinhos. Entre eles estavam Nereu e as Nereidas. Nereu era o grande adivinho dos oceanos, aquele que nunca mentia e só dizia a absoluta verdade aos homens. 

Desde então Poseidon e Anfitrite governam felizes o imenso império dos mares e  amaram-se eternamente. E do fruto de sua união nasceu Tritão(Τρίτωνας). Meio jovem, meio peixe, tomou para si o encargo de serenar as vagas agitadas do mar. Ele soprava sua concha, cujo barulho ensurdecedor provocava grandes tempestades. 

Tritão reproduziu-se e em pouco eram muitos os tritões que viajavam sobre as ondas em carros atrelados por estranhos cavalos, cujas patas terminavam em pinças de caranguejo. Nas mãos, levavam tridentes que faiscavam ao toque dos raios do sol.

O velho Proteu(Πρωτέας) também passeava com eles. Proteu não gostava que as pessoas soubessem de seus dotes de vidente e fugia dos curiosos.

Além de Proteu, Poseidon e Anfitrite tiveram ainda duas filhas, Rode(Ρόδη) e Bentesícime. Porém, Anfitrite recebeu de seu marido tantos motivos de ciúme quanto Zeus dera à rainha Hra, com seus casos amorosos com deusas, Ninfas e mortais...

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