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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Capítulo 49: A DISPUTA POR ADÔNIS, AFRODITE VS PERSÉFONE

ADÔNIS(Άδωνις) E AFRODITE(Ἀφροδίτη). Por Imperia-Studio.

Adônis(Άδωνις) empreendeu sua desoladora viagem rumo ao Reino das Sombras, o destino de todos aqueles que eram afastados da vida no mundo superior. Na primeira encruzilhada da trilha sombria que seguia, Adônis viu surgir a sua frente um homem alto, corpulento. Usava um elmo, calçava sandálias aladas e segurava um cetro de ouro.


— Você deve ser Hermes(Ἑρμής), o deus mensageiro do Olimpo, como Afrodite(Ἀφροδίτ) havia me ensinado...

— Exatamente.

— É o protetor dos viajantes. Fico inteiramente grato, vou precisar de ajuda, afinal...

— Estou aqui para isso. Eu devo acompanhar-te até o reino de Hades(Άδης). Esse é um dos meus inúmeros trabalhos.

E passaram a viajar juntos. De repente, Hermes perguntou:

— Você tem uma moeda?

— De que moeda você se refere?

— Do óbolo... Não me diga que não trouxe a moeda para pagar o barqueiro Caronte(Χαρων)? Falta muito pouco para chegarmos à beira do Estige(Στύξ), e ele virá buscá-lo! Se não pagar, ele vai impedi-lo de ingressar no reino de Hades...

— Pois bem, Hermes. Eu não trouxe nada, nem ao menos conheço um óbolo, pois sou fenício... E não estou fazendo esta viagem por minha própria vontade. E você sabe que eu não escolhi seguir para esse lugar...!

Hermes estava estupefato. Não esperava por isso, pois era costume grego por sob a língua do morto um óbolo para o pagamento de Caronte. Adônis prosseguiu:

— Sendo assim, começo a viagem de volta agora mesmo.

Hermes coçou a cabeça, estava confuso. Não via possibilidade de Adônis retornar à vida, mas jamais havia estado em tal situação, com um estrangeiro rumo ao reino de Hades. E, notando que Adônis já havia tomado o caminho de volta, segurou-o pelo ombro e disse-lhe:

— Espere! Espere! Está bem. Eu o empresto uma moeda, embora eu saiba que você nunca vais poder voltar para pagar...

Assim, depois de cruzarem planícies desertos, chegaram às margens do Estige, onde o barqueiro Caronte já aguardava. Adônis subiu ao barco, acenou para Hermes despedindo-se e pagou com a moeda pelos serviços do sombrio barqueiro. Ficou observando, entre curioso e amedrontado, como o repelente espectro a recolheu de suas mãos e a depositou numa bolsa imunda que estava no chão do barco. Era uma bolsa cheia de moedas, quem sabe o mesmo número de mortos mais recentes que por ele haviam passado.

Desembarcando na margem oposta, Adônis foi encaminhado ao palácio de Hades e Perséfone(Περσεφόνη). Assim que deixou o barco, viu que ali estava montando guarda um asqueroso mastim, Cérbero(Κέρβερος), com suas três medonhas cabeças. O animal, entretanto, apesar de sua aparência, comportou-se com docilidade, lambendo-lhe as mãos. Ele era mantido com a única função de evitar que os mortos tentassem fugir do Destino.

Tomando o rumo do palácio, Adônis cruzou então uma planície repleta de narcisos, um lugar onde havia tanta neblina que ele mal conseguia enxergar os próprios pés. Quanto mais se aproximasse do palácio, porém, mais o ar clareava. Penetrou num amplo campo, muito verde, cortado por riachos. Dali avistou nitidamente o imponente palácio real. À entrada, Adônis foi recebido por três espectros do Mundo das Sombras. Muito sábios, cuja missão era proceder ao julgamento dos recém-chegados.

Adônis, sem saber que procedimento ter nessa situação, ficou esperando para ver o que eles fariam. O primeiro o recepcionou com um gesto de reverência:

— Sê bem-vindo, Adônis. A rainha Perséfone já nos informou de sua chegada!

— Estamos nos sentindo muito honrados com tua visita. — Emendou o segundo espectro.

— Está tudo preparado para recepcionar-te no palácio. — Completou o terceiro.

Adônis não estava entendendo muito bem o que eles desejavam com toda essa atenção e gentileza. Preferiu agradecer curvando o corpo para diante, sem nada dizer.

No palácio, um imenso salão de festas estava preparado. Adônis foi tratado como um visitante muito especial, não um morto comum. A festa havia sido preparada para ele, o que não deixou de emocioná-lo. Embora sentisse muita falta de Afrodite, pretendia passar aquela noite a beber, dançar e cantar.

Serviram-se imensas bandejas de ouro, repletas de uvas, romãs e figos. Vinhos e néctares extasiantes foram oferecidos em taças de cristal. Manjares irresistíveis apareceram nas mesas. Adônis, ainda que entusiasmado, sabia que deveria evitar a todo custo comer qualquer coisa sólida: sabia que, no mundo subterrâneo dos mortos, aquele se alimentasse de algo sólido estaria obrigado a prestar serviços por toda a Eternidade ao rei Hades. Uma maldição fatal para os mortais, mas que mesmo um deus não poderia arriscar-se a desafiar.

Cuidadoso em tudo o que fazia durante a festa, Adônis não comeu nem mesmo um caroço de romã, mas participou dos festejos, dançando e cantando a noite inteira. E bebendo muito vinho, também. Mas isso não foi suficiente para impedir que, na madrugada perfumada a incenso, ele percebesse um vulto no limiar de seu quarto de hóspede.

— Quem está aí?

O vulto aproximou-se mais. Adônis vislumbrou um corpo feminino atrás do vestido longo. E sentiu o forte cheiro de sândalo.

— Perséfone é quem está aqui, ilustre visitante.

Adônis levantou-se para reverenciar a rainha, mas sentiu-se um pouco tonto. O vinho fazia seu efeito.

— Descanse. Deite-se de novo.

Adônis percebeu que ela estava sozinha e que trancara a porta atrás de si. Podia ver melhor seu rosto belíssimo, embora sempre melancólico, a se aproximar do seu. Havia bebido, é claro, mas não o suficiente para impedir que até o amanhecer se entregasse de bom grado aos prazeres proporcionados pela companhia da sedutora rainha Perséfone.

Afrodite já sentia saudades de seu amado e não vendo outra saída foi ao Hades buscá-lo.

— De maneira nenhuma permitirei que Adônis volte à superfície — protestou Perséfone. — Você não o perdeu pois o deixou morrer. Pois agora ele é meu e não deixo que se vá.

Dos olhos de Afrodite saíram chispas de ódio.

— Perdi porque o mesmo não seguiu os meus conselhos, é verdade, mas ele não pertence ao Hades. Quero que volte comigo!

Não houve argumento que afastasse as duas deusas de seus propósitos. O rumor da disputa percorreu o mundo. No Olimpo, todos esses fatos não podiam deixar de tocar os deuses. Atendendo a um pedido feito por Athena(Ἀθάνα), Zeus(Ζεύς), que se sentia muito comovido com a dor de Afrodite, mandou vir a sua presença seu irmão Hades, o soberano dos Infernos.

— Meu amado irmão, quero pedir um favor muito, mas muito especial.

— Um favor especial, solicitado pela boca do rei dos deuses, é uma ordem a ser cumprida.

— Temo que não deve ser uma ordem muito fácil de ser cumprida, Hades, meu irmão.

— Continuo ouvindo com atenção e sinto-me honrado, com antecedência, por qualquer coisa que venha a me pedir. E mais honrado ainda me sentirei se puder atender seu pedido.

— Quero dizer que, se Afrodite não tiver Adônis de volta, ela vai enlouquecer. E a deusa do amor e da beleza não pode ser levada à loucura...

— Já estou a par de tudo o que houve e posso muito bem entender seu pedido. Mas lamento dizer que Adônis está impedido de retornar. Ele já foi recepcionado em meu reino...

— Eu insisto, Hades. Consulte quem for preciso consultar. Veja todas as possibilidades, fale com sua mulher, a rainha Perséfone. Tenho certeza de que ela vai se mostrar compreensiva...

— Mas, meu irmão...

Zeus, com um gesto firme de suas duas mãos, interrompeu-o. Seguiu-se um breve e profundo silêncio. Em seguida, Zeus, inesperadamente, deu um salto, deixando seu trono, e disse:

— Não se esqueça de uma coisa: um deus não pode ser retido por toda a Eternidade em seu reino!

— Um deus? Quem? Adônis?!

— Claro! Um deus pode passar uma temporada nos Infernos, mas nunca permanecer ali por toda a Eternidade! Olha, eu vou fazer uma sugestão... Calíope(Καλλιόπη)!

Zeus voltou a sentar-se no trono. Nisso, a musa Calíope se aproximou e deu o seu veredicto:

— Adônis poderá permanecer seis meses convosco e seis meses vivendo com Afrodite no Olimpo, nos montes da Fenícia ou onde bem entender... Perséfone e Afrodite têm direitos iguais.

— Mas algo assim jamais aconteceu antes, ao que eu saiba... ou me lembre... — Indagou o senhor do submundo

— Acontece o mesmo com Perséfone, não é mesmo? E isto não é razão para que não aconteça outra vez... Afinal, Hades, estamos falando de um deus... — Muito bem — decidiu ele. — Não quero mais saber de discussões inúteis e ridículas. Determino que Adônis passe um terço do ano com Perséfone, outro com Afrodite e o restante onde bem quiser.

Hades, olhando desconfiado para o irmão — pois sabia muito bem que Zeus guardava segredo sobre Perséfone, filha dele e de Deméter — não quis magoá-lo, e disse-lhe:

— Meu irmão, eu não vou decidir isso sozinho. E nem posso fazê-lo. Devo consultar Perséfone e também os três espectros que julgam as almas recém-chegadas a meu reino. Em breve darei uma resposta definitiva.

Zeus acompanhou seu irmão até as portas do palácio. Hades subiu em sua biga dourada, com os dois corcéis negros resfolegando, já impacientes. Despediram-se com um poderoso abraço, e Zeus disse:

— Hades, não esqueça: você não pode reter um deus por toda a Eternidade.

Hades retirou-se do Olimpo, iniciando sua longa, mas rápida viagem de volta ao Reino das Sombras. Apressado, o senhor do submundo ingressou em seu palácio. Antes mesmo de repousar para procurar recompor-se, expôs à sua mulher, Perséfone, a proposta que havia sido feita por Zeus:

— Meu irmão insistiu muito no pedido. Ele sugeriu que Adônis retorne ao mundo superior, que possa frequentar tanto o Olimpo como o mundo dos homens.

— O Olimpo, você disse?

— E ainda essa. Descobri que ele é um deus. Mas quem conhece todos os deuses?

— Ele só poderia ser mesmo um deus. Bem que eu andava desconfiada. Um ser com tantas qualidades não seria mesmo apenas um desprezível mortal...

— O que foi que disse?

— Nada. Estou falando sozinha.

Hades sentou-se, sem insistir naquilo que sua mulher lhe dissera. Ele parecia estar realmente preocupado com a triste história de Adônis e Afrodite, a história de um amor ceifado em plena etapa de florescimento. Afinal, qualquer deus preocupava-se com Afrodite, que era a deusa responsável pelos assuntos do amor. Acrescentou, então, antes que sua mulher continuasse a falar:

— Mas é impossível permitir o retorno dele. Não se volta mais depois de ter entrado em nosso reino...

— Impossível? Hades, acho que você estás envelhecendo muito depressa para um deus. Sua memória está ficando péssima, meu marido. Deuses podem voltar, e você sabe muito bem disso. Por acaso você não se recorda mais do que houve com Psiqué(Ψυχη)?

— Com quem?

— Psiqué. Por sinal, foi um episódio que também envolveu a participação de nossa adorada Afrodite... Ela mandou Psiqué até nós para apanhar uma encomenda. Não se recorda? A moça viajou, cruzou o Estige e voltou da mesma forma como veio...

Hades fez cara de quem estava sendo obrigado a fazer uma imensa força para injetar vida nas lembranças que lhe passavam pela cabeça. Perséfone, agora com um brilho estranho nos olhos, continuou:

— Uma solicitação de Zeus não pode ficar atrás de um pedido de Afrodite, não acha, meu marido? Trata-se de um caso que merece ser avaliado com todo cuidado.

— Muito bem. E o que propõe?

— Mande dizer a Zeus que nós concordamos...

— Então vamos resolver assim a situação? Deixando simplesmente Adônis ir embora?

— Não é bem isso. Eu tenho uma idéia. Por que você não sugere que ele uma parte do ano aqui e a outra parte ao lado de Afrodite?

Perséfone pronunciara essas palavras como se houvesse antecipadamente combinado com Zeus. Hades empalideceu e precisou tomar um licor, mas controlou-se. Estava muito surpreso diante da rapidez com que sua mulher havia tomado tal decisão, e também com a coincidência, que lhe pareceu espantosa. Mas preferiu se calar. Embora estranhasse tudo, Hades decidiu colaborar, e providenciou para que Zeus e Adônis fossem informados a respeito da proposta. E a própria Perséfone encarregou-se de comunicar pessoalmente a novidade a Adônis, aproximando-se languidamente do leito onde o jovem repousava.

— Já está tudo acertado. Você vai morar aqui, nos melhores aposentos para hóspedes do palácio, durante algum tempo, no outono e no inverno.

— Estou às suas ordens, Perséfone. Sou seu escravo.

Adônis já percebera ser melhor moldar-se aos desígnios de deuses poderosos, e em cujas mãos seu próprio destino parecia estar traçado havia muito tempo. A partir de então, todos os anos, Adônis receberia permissão para retornar ao mundo dos homens, aos braços acolhedores de sua amada Afrodite. Faria isso sempre no início da primavera e se prolongaria no verão. Ele ficaria então quatro meses em companhia de Afrodite, em sua cabana de pedra.

Adonis subiu à superfície e o ardor do sol em sua pele tornou sua beleza ainda mais radiante. Correu pelas planícies, rolou na relva e inebriou-se com o aroma das flores.

— Afrodite, Afrodite, como a vida é linda e boa de ser vivida! Quanta energia, quanta força que eu desconhecia, que cresce agora em meu interior ao contato com a luz!

E, por quatro meses, Adonis pertenceu à natureza. Acompanhado por Afrodite desabrochou, perdeu a palidez que trouxera do Hades, interagiu com as plantas, com o ar, com o orvalho e com a chuva.

Nos quatro meses seguintes, quando poderia escolher onde ficar, passou-os também com Afrodite, partilhando seu leito e despertando na deusa todo o ardor de uma louca paixão.

Durante os outros quatro meses, Perséfone passaria parte de seu tempo burlando a atenção do rei Hades, visitando sorrateiramente o hóspede que deixava seu coração sobressaltado de paixão. E as coisas ficariam assim para sempre, embora Hades, um tanto desconfiado, às vezes resolvesse perguntar:

— Perséfone, há muito tempo você não sai para dar seus passeios pelo mundo superior. O que está acontecendo?

Ao que Perséfone, com seu estranho brilho nos olhos, respondeu sempre tratando de serenar seu vigilante marido:

— Este ano o tempo anda muito feio. Chuva que não cessa mais e neve insuportável. Melhor é ter paciência e deixar que volte a primavera, Hades...

Todos os anos, quando chegava o momento de Adônis regressar ao mundo subterrâneo, aos aposentos palacianos onde ele se encontrava secretamente com Perséfone, o céu ficava escuro, soprava um vento frio e nuvens turbulentas cobriam todo o firmamento: era o outono que começava.

Durante este período Afrodite chorou. Recolheu-se em sua tristeza e aguardou que quatro meses se passassem. E então ele voltou, nasceu novamente para o sol, para o verde, para as florestas, para o orvalho, para a chuva e para o leito da deusa do Amor.

Tinha início a radiante primavera das montanhas da Fenícia, a neve e o gelo aumentavam o caudal dos regatos, rios e riachos. O fio de águas azuis, junto ao qual Adônis recebera o golpe mortal do javali, tingia-se nessa época de vermelho.

Para o povo da região, esse regato, que corria desde sua fonte nas alturas da cidade de Baalbeck e transformava-se durante sua queda acidentada num rio que se precipitava através de inúmeras cascatas antes de desembocar, junto a Biblos, nas águas do mar, passou a levar um nome: Adônis. E, junto a ele, o deus e Afrodite viveram seu intenso e eterno amor de primavera e verão.

Mas as deusas não jogaram limpo. De vez em quando, uma ou outra dava um jeito de segurar Adônis mais um pouquinho, ou raptavam-no fora de época, ocasionando, assim, aqueles climas descontrolados e impróprios às estações ocorrentes.

Para perpetuar a memória de seu imenso amor, Afrodite ensinou às mulheres da Síria o culto da entrada da primavera, que simbolizava a vida efêmera de Adônis. Num caixote, plantavam mudas de roseiras e regavam-nas com água morna. As rosas cresciam rapidamente, mas logo morriam. Deram a esses vasos o nome de Jardins de Adônis.

— Adonis, meu amado, sua lembrança será perpetuada entre o povo da Terra. Que sua memória seja cultuada e que seus Jardins ensinem aos homens que a vida é efêmera, mas que volta a ressurgir sempre, num ciclo contínuo em direção à eternidade.

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