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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Capítulo 83: A PEREGRINAÇÃO DE ÉDIPOS E ANTÍGONA

Édipos(Οἰδίπους). Por ZachSmithson.

Muito tempo se passou depois que Édipos(Οἰδίπους) e Antígona(Αντιγόνη) deixaram Tebas às mãos de Etéocles(Ετεοκλής), que disputava o trono com seu irmão Polínices(Πολυνείκης). De cidade em cidade, como mendigos, procuravam um lugar para ficar e descansar, e algum alimento para saciar a fome. Buscavam o lugar ideal, que os recebesse com hospitalidade. Nenhuma cidade ou aldeia os recebeu devidamente. Às vezes, eram até rechaçados como ladrões ou animais sem dono.



— Por que não paramos um pouco, pai? — perguntou Antígona, vendo que Édipos se arrastava pela estrada, mal disfarçando a fadiga que lhe tensionava os músculos do rosto.

— Não estou cansado, filha. Posso caminhar bastante, ainda.

— Tem fome, meu pai? — perguntou ela, novamente, explorando o fundo da sacola quase vazia.

— Não se preocupe comigo, Antígona. Trate você de se alimentar. O que tem ainda para comer?

— Um pouco de pão, que nos deu aquele caminhante que ia para Tebas.

— Tebas... — murmurou Édipo. — Tebas... Nunca mais a verei, Tebas.

Aqueles dois nada mais ouviram sobre Tebas, a cidade que os havia repudiado. E não havia outro caminho senão buscar asilo nas grandes cidades. E decidiram seguir para Athenas, na Ática. Antígona pressionou os dedos do pai com os dedos finos.

— Não fale assim, pai. Procure se esquecer daquilo que passou.

— Esquecer- me, filha? Como posso me esquecer da vida feliz que tive em Tebas, junto com sua mãe, Jocasta(Ἰοκάστη),  até que a maldita peste se abateu sobre a cidade e acabou por nos destruir a todos. A peste invadiu minha própria alma...

— Pai, por favor, procure não se lembrar mais daquilo. Faça por mim, pai!

Ele se calou. O sol despejava seus raios luminosos, que forravam a estrada com uma poeira dourada.

— Sabe, minha filha, por vezes escutei uma voz que falava comigo, mas nunca descobri de onde vinha.

— Uma voz, pai? Por que nunca me contou isso antes?

Ele sacudiu os ombros e fez um muxoxo.

— Não falei a ninguém. Para que? Não, Não iriam mesmo acreditar em mim.

— E o que dizia a voz? perguntou ela, interessada.

— Coisas difíceis de serem compreendidas. Insistia em que eu devia olhar para meu interior. Dizia que eu deveria procurar o valor simbólico de toda a desgraça por que estava passando.

Antígona esfregou os olhos cheios de areia.

— Com certeza era um deus que lhe falava...

Édipos parou de repente, fazendo com que a filha se desequilibrasse.

— Nunca pensei nisso. Seria um deus, Antígona?

Ela não respondeu logo. Pensou um pouco, antes de dizer:

— Acho que somente um deus iria lhe falar dessa maneira, pai.

Ele ficou calado. Continuou a caminhar, as pernas fracas tropeçando a cada instante, e a mente procurando buscar, nos cantos da memória, as palavras que ouvira da voz misteriosa.

— Pai, coragem! Estamos entrando em uma cidade! Ouça as vozes do povo e a arenga dos mercadores.

— Que bom, Antígona! Nossa caminhada terminou. Agora poderemos repousar. Minha filha, diga-me  se aqui há alguém que aceite dar uma ajuda ao pobre Édipos, que sempre recebe menos ainda do que pede, mas mesmo assim fica satisfeito. Afinal, meus sofrimentos e o peso dos muitos anos que vivi ensinaram-me a ser paciente. E agora, se você está vendo algum lugar onde eu possa me sentar para descansar.

— Meu pai, de fato precisamos descansar... Pedirei pousada em algum lugar. Sabe que jamais deixei Tebas, mas, pelo que sei, bem adiante há muralhas de uma cidade que deve ser Athenas. Porém, estou segura de que nos encontramos em algum lugar sagrado, pois está repleto de frondosos loureiros e oliveiras e, como pode escutar, há muitos pássaros. Mas vem, pai, sente-se aqui nesta pedra para descansar um pouco, pois o caminho que percorremos foi muito longo e cansativo para alguém na sua idade. Eu vou tratar de descobrir que lugar é este.

— Vai, minha filha, deve haver alguma morada aqui por perto, de algum agricultor.

— Há casas sim, pai. Está vindo para cá um homem.

— Será hostil? Pelos passos que ouço, deve ter muita pressa. Ouça só!

— Espera. Senhor! Por favor, senhor! Meu pai precisa falar com o senhor! Necessitamos de informação!

E o homem se aproximou.

— Aqui está, meu pai. Ele chegou. Pode falar com ele, está na sua frente.

— Meu bom homem, minha filha avisou-me de sua aproximação, e eu mesmo ouvi-o chegando. O senhor veio bem no momento em que queríamos descobrir onde estamos.

O transeunte notara que os olhos do ancião haviam sido vazados, motivado provavelmente por uma maldição. Devia ter cometido um crime, e a menina era sua guia.

— Estranho, antes que eu diga qualquer coisa, levante-se e saia deste lugar, porque estais num têmenos, num bosque sagrado, onde ninguém não-autorizado deve entrar, acompanhem-me até minha casa e eu os abrigarei..

— Ajude-me a sair daqui, Antígona.

Édipos, mais do que depressa, quis sair dali, e o transeunte acompanhou-os ate sua residência.

— Fiquem por aqui, viajantes. Moro sozinho desde que minha esposa morreu. Assim a moça me ajudará nos serviços da casa e terei mais tempo para apressar minhas encomendas, pois sou tecelão.

Banharam-se numa enorme tina que o mercador encheu com água fresca várias vezes e depois de saciarem a fome com pão e sopa, adormeceram. Édipo acordou com o toque da mão de Antígona em seu rosto.

— Pai — disse ela — estive pensando sobre o que me contou. Por que não procura escutar a voz, novamente? Talvez agora compreenda melhor o que ela tem a lhe dizer. 

Édipo se sentou, com uma careta. Todo o corpo doía. 

— Não é má idéia, filha. Apenas não sei como fazer para ouvir a voz outra vez. Na escuridão de sua cegueira, ouvia os passos da filha no quarto. — O que está fazendo? 

A voz de Antígona veio de longe. 

— Estou limpando e arrumando a casa! Logo irei preparar o almoço. O tecelão saiu para vender seus tecidos, mas não deve demorar.

Édipo ficou calado, pensativo.

— Pai — disse Antígona — por que não volta àquele local consagrado? Quem sabe ouvirá novamente a voz do deus num local santificado?

Mal acabara de proferir tais palavras, o tecelão retornou de suas vendas. Então apoiado pela i´deia de sua filha Édipos o inquiriu...

— Meu bom amigo, diga-nos a que deus este aquele bosque que nos encontramos é consagrado?

— A terríveis divindades, estranho, às filhas da Escuridão e da deusa Gaia(Γαῖα). Nós as chamamos de Eumênides.

— Eumênides! Isso quer dizer que, finalmente, cheguei à terra das deusas Erínias(Ἐρινύες)? Por muito tempo andei errante, mas eis que vim parar no lugar onde, segundo as divinas Moiras, encontrarei a salvação!

— Não sei do que está falando, meu pobre homem, mas o ajudarei no que precisar, caso esteja ao meu alcance, é claro.

— Gostaria que me dissesse o nome deste lugar.

— Colono. E situa-se nos arredores de Athenas.

Colono era uma pequena e famosa cidade de agricultores e pastores, construída sobre uma planicie verdejante e consagrada a Poseidon e Prometeu(Προμηθεύς).

Édipos deu uma sonora gargalhada — a primeira, na verdade, desde que ambos haviam deixado o palácio de Tebas.

— Colono... ouvi muito falar. Seria Teseus(Θησεύς) o dono desta terra?

— Sim; Teseus, o senhor de Atenas.

— Vê, filha?! Não tenho mais olhos, mas ainda posso ver tudo, e que outra visão melhor poderia ter do mundo do que vê-lo pelo filtro dos seus olhos justos e abençoados? Estamos próximos de Athenas, e Teseus é o rei! Bendito seja Zeus!

E, virando-se para o estranho, perguntou:

— E haverá alguém para levar uma mensagem minha até ele?

— Quer pedir-lhe algum favor? Ou talvez prefira que ele venha até aqui? É um grande rei e de bom coração.

— Se ele o fizer, terá muito a ganhar.

— De alguém que não enxerga?

— Eu também, quando enxergava, recebi um conselho de um cego e não lhe dei ouvidos.

— Eu, porém, sobre o que me pede, terei que consultar nosso conselho de anciãos. E o que eles decidirem será feito.

E saiu às pressas. Édipos notou que ele ali não mais se encontrava.

— O homem foi embora, minha filha?

— Foi, pai. Agora pode dizer o que quiser, sem medo.

— Guie-me, minha filha?

E Édipos, ajudado por sua filha, voltou para o bosque sagrado das Eumênides, em seu centro um Templo se encontrava, no meio daquele bosque magnífico, onde coelhos selvagens e esquilos, confiantes na proteção natural do lugar, não fugiam de ninguém.

Édipos passou por eles, guiado por Antígona. Entraram no Templo, levando lenha de cedro, de amieiro e de cipestre. No vaso reservado ao fogo sagrado, atearam fogo à lenha e nele jogaram cardo, sabugueiro e espinheiro selvagem. O cheiro acre começou a tomar conta do Templo, inebriando-lhes os sentidos e logo e proferiu:

— Oh, deusas Eumênides! Oh, respeitáveis virgens de olhos terríveis, deusas benfeitoras que auxiliam os arrependidos, venham em meu socorro! — disse Édipo, com voz rouca — Não sejais duras comigo, mas sim tende compaixão ao contemplar o meu cruel destino. Libertem minha alma da culpa e do remorso de um crime que cometi na mais pura ignorância. As profecias horríveis de Apolo realizaram-se para mim, sem exceção, e de modo infalível! O deus disse ainda, no entanto, que eu encontrarei a salvação no lugar em que me hospedardes e onde terminarei meus miseráveis dias. Porém, esse meu fim trará proveito aos que me auxiliarem e desgraça àqueles que me banirem. E também profetizou que eu verei, antes do fim, sinais convincentes: ou na forma de um terremoto, ou de um trovão, ou de algum relâmpago de Zeus. E acredito, honrosas virgens, que eu não teria vindo parar aqui, nem me sentaria nesta pedra sagrada se essa não fosse a sua vontade! Por isso agora espero de vós compaixão e auxílio, e uma morte serena. A não ser que não sejam suficientes todos os meus tormentos e eu ainda precise passar por outros tantos mais. Porém, tenho fé de que haverão de mostrar compaixão por mim, doces filhas da mãe-Terra. E quanto a ti, sagrada cidade de Atenas, que tem o nome e o brilho da deusa Palas, tem pena deste que outrora foi o célebre Édipos e que agora não passa do seu lastimoso fantasma.

Em seguida, uma trovoada incessante recomeçou; era outro sinal de intervenção divina. Antígona jogou no fogo narciso e açafrão. 

— Livrem o povo de Tebas do mal causado por meu erro involutário! Sinto-me perseguido pelas Eríneas, suas irmãs, ó Eumênides! Elas me atormentam com a culpa e o remorso. Mas agora estou cego e na escuridão da minha cegueira sinto que o arrependimento me mostra o caminho de seu coração, ó Eumênides!

Calou-se. Um assovio fino chegou dentro de seus ouvidos e dedos invisíveis comprimiram seu crânio. Antígona observava o pai que, mergulhado em seu recolhimento, não reparou que as horas passavam. A tranqüilidade do rosto de Édipo fez com que a moça pensasse duas vezes, antes de chamá-lo de volta. Mas a noite chegava e precisava cuidar do tecelão.

Na hora de dormir, Édipo segredou-lhe: — Minha filha, acho que toquei a mente dos deuses. Não ouvi a voz, mas senti uma presença a meu lado, um conforto intenso, uma fortaleza interior que jamais senti antes.

Antígona abraçou-o, comovida. — Amanhã voltaremos lá. E todos os dias, até que você consiga novamente escutar a voz do deus e, desta vez, possa compreender o significado de suas palavras. 

E todos os dias, quando Antígona terminava os afazeres da casa e o tecelão saía para entregar tecidos ou receber novas encomendas, voltavam ao Templo das Eumênides. A vibração era cada dia mais intensa e, tão logo Antígona lançava ao fogo as ervas mágicas, Édipo sentia uma pálida tonteira e a percepção dos sentidos diminuía, dando lugar a uma sensibilidade interior mais aguçada. Quarenta dias se passaram até que, em meio a um transe profundo, Édipo falou:

 — Vejo um túnel em forma de espiral à minha frente e sinto que estou sendo sugado por ele. Meu corpo está leve, imponderável, girando através da espiral... Vejo o final do túnel... É uma clareira no topo de um monte. Uma criança chora... Sei que esta criança sou eu. Vejo um escravo com um gancho nas mãos... Ele crava o gancho nos calcanhares da criança.

Édipo gritou de dor e Antígona afagou sua cabeça. O passado e o presente se entrelaçavam e as sensações se confundiam. 

— Dê-me forças, minha filha, pois sinto que a energia de suas mãos alivia a dor do gancho cravado em meus pés. O gancho feriu também a minha alma, que se tornou impossibilitada de compreender a verdade. O corpo aleijado e a alma aleijada... Por isso não pude entender aquilo que a voz me dizia...

Grossas lágrimas escorreram por seu rosto e empaparam a túnica que vestia. 

— Quis fugir à Moira, mas não consegui. Meu destino se cumpriu, porque a minha alma aleijada não foi capaz de ter forças suficientes para mudá-lo! 

Édipo soluçou convulsivamente. Preocupada, Antígona o tirou do transe com delicadeza. — Vamos, pai, amanhã voltaremos novamente, então, Antígona viu a aproximação de gente.

— Papai, vejo alguns anciãos que vem à sua procura!

— Então tire-me daqui e esconda-me no bosque. Se ouvirmos o que dizem, talvez possamos saber o que fazer....

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