Édipos(Οἰδίπους) e Jocasta(Ἰοκάστη). Por anndr. |
Édipos(Οἰδίπους) reinou em Tebas querido pelo povo e adorado por sua esposa, Jocasta(Ἰοκάστη). Os filhos chegaram, trazendo ainda mais alegria ao casal real. E nasceram Etéocles(Ετεοκλης), Polínice(Πολυνείκης), Antígona(Αντιγόνη) e Ismênia(Ισμήνη). Creonte(Κρέων), irmão de Jocasta, se casou com Eurídice(Ευρυδίκη), uma tebana, e tiveram um filho, Hêmon(Αἵμων).
Tebas viveu anos de prosperidade até que um dia, sem que ninguém soubesse como nem por que, uma peste se abateu sobre a cidade. O solo se tornou árido, os animais morriam aos montes, o povo foi dizimado.
Rezaram aos deuses, fizeram sacrifícios, mas nada adiantou. Sem saber mais o que fazer, Édipos pediu a Creonte que fosse a Delfos, consultar o oráculo de Apolo(Ἀπόλλων).
Creonte foi e, em poucos dias, voltou com a resposta lacônica:
— O oráculo respondeu que a peste se abateu sobre Tebas porque a morte de Laios(Λάιος) ainda não foi vingada.
Édipos e Jocasta se entreolharam, surpresos.
— Mas como vingar a morte de Laios, se não sabemos que foi seu assassino? — perguntou ela, aflita.
Creonte abraçou a irmã com meiguice, sem nada responder.
— Alguma coisa terá que ser feita! — exclamou Édipos, nervoso. — Temos que saber quem é o assassino de Laios!
Franziu a testa e calou-se, pensativo. Depois voltou-se para Creonte.
— Pense bem, Creonte, está certo de que não se lembra de nada que possa nos ajudar a conhecer o assassino?
Creonte balançou a cabeça, desanimado.
— Nada, Édipos. Só sabemos aquilo que lhe contei, desde o início. Laios saiu em viagem e foi assassinado, com sua comitiva, por bandoleiros da estrada.
Édipos apertou os dentes e começou a andar de lá para cá, como um animal enjaulado. Depois parou e ficou olhando o nada, com os olhos faiscando de ódio.
— Maldito seja esse miserável, causador da peste que destrói Tebas. Eu o amaldiçôo com todas as forças do meu coração.
Jocasta tocou seu braço, de leve.
— Não fale assim, Édipos. Há de existir um meio desta peste ser afastada para sempre de Tebas.
— Já sei! — exclamou Édipos, subitamente. — Como não pensei nisto antes! Creonte, providencie para que o adivinho Tirésias(Τειρησίας) venha a minha presença.
Tirésias chegou, tateando o chão dos salões com seu bastão mágico. Édipos o recebeu na sala de audiências.
— Tirésias — disse o rei, sem rodeios — a sacerdotisa de Apolo declarou que a razão da peste que se espalhou por Tebas é não termos ainda vingado a morte de Laios. Não podemos vingá-la, porque não conhecemos o assassino. Você tem o dom da vidência e peço que nos diga quem matou Laios.
Tirésias a tudo escutou, atento. Depois respirou fundo e procurou a resposta na escuridão da tela que seus olhos mostravam. De repente, um tremor sacudiu seu corpo e seu rosto empalideceu.
— Perdoe-me, meu rei, mas não posso lhe dar a resposta que procura.
Os olhos de Édipos brilharam de raiva.
— Como não? Ordeno que me diga o que viu!
Com voz mansa, mas firme, Tirésias repetiu:
— Peço perdão novamente, mas não posso falar.
— Não pode falar? — esbravejou Édipos. — Acaso não deseja que o criminoso seja punido? Ou será que você mesmo tramou a morte de Laios?
Tirésias ficou ainda mais lívido.
— Muito bem, meu rei, vou lhe dizer então o que acabo de saber: Édipos, o rei de Tebas, matou seu pai, o rei Laios, e se casou com sua mãe, a rainha Jocasta.
— Que absurdo! — gaguejou Édipos, rouco de ódio — Nunca ouvi tantos absurdos em toda a minha vida!
— Sabe-se que o adivinho Tirésias nunca falhou, Édipos! — disse Creonte. — Acho melhor que dê mais crédito a suas palavras e procure interpretá-las com seriedade.
Édipo fulminou o cunhado com o olhar.
— Muito me admira que acredite nessas calúnias, Creonte! Ou será que andou também tramando, com Tirésias, a morte de Laios, para ficar com o trono?
Creonte deu um passo à frente, mas Jocasta se colocou entre os dois.
— Não discutam, por favor! Será que não compreendem que Tebas precisa que, unidos, encontremos uma solução?
Enlaçou o braço de Édipos e afastou-o com ele.
— Escute, Édipos, vamos nos esquecer, de uma vez por todas, desta história de oráculos e profecias. Não creio nisto. Veja bem, quando Laios e eu nos casamos, o oráculo de Delfos profetizou que teríamos um filho que mataria o pai e se casaria comigo, sua própria mãe. Apavorado com a profecia, Laios mandou matar o próprio filho. Anos depois, ele foi assassinado por bandoleiros. Como vê, a predição do oráculo não se realizou. Por que, então, acreditar nas palavras de Tirésias? E, além do mais, absurdas, porque seu pai está bem vivo, em Corinto, e você está casado comigo, que não sou sua mãe.
Édipos escutou suas palavras com uma ruga a lhe vincar a testa. Achava estranha a coincidência da profecia que o oráculo fizera para Laios e para si próprio. Alguma coisa naquilo tudo soava esquisito, como um quebra-cabeças mal encaixado.
— Jocasta, — disse ele, procurando arrumar as idéias na cabeça — conte-me novamente, e desta vez com todos os detalhes possíveis, sobre a morte de Laios.
— Tudo o que sabemos nos foi contado pelo escravo que escapou da chacina.
Disse que tudo aconteceu na encruzilhada de Delfos e Daulis. Laios viajava com o cocheiro e mais três pessoas e todos, menos o escravo, foram massacrados pelos bandoleiros. Tudo aconteceu pouco antes de você chegar a Tebas.
O rosto de Édipos ficou lívido.
— O que foi, Édipos? Não se sente bem?
Ela sentiu as mãos geladas e trêmulas do marido apertarem as suas.
— Jocasta, preciso falar com o escravo. Onde pode ser encontrado?
Dois guardas partiram para o campo, com ordens de trazer ao castelo o escravo que sobreviera ao massacre da comitiva de Laios. Édipos, muito nervoso, fechou-se em seu aposentos.
— Céus, como estou confuso! — falou para si mesmo, apertando a cabeça entre as mãos. — O relato de Jocasta se encaixa perfeitamente ao que me aconteceu, no dia em que matei quatro pessoas de uma comitiva. Talvez o escravo tenha mentido quanto aos bandoleiros. Teria eu matado Laios? Mas, se assim foi, não matei meu pai! Estarei ainda condenado a matar Pólibos(Πόλυβος) e a me casar com Mérope(Μερόπη)?
Seus filhos Etéocles e Polínice bateram e entraram, sem esperarem sua autorização.
— Pai — disse Etéocles, agitado — acaba de chegar um mensageiro de Corinto!
Anunciou a morte de seu pai, Pólibos! Disse também que o povo já o elegeu rei de Corinto.
Polínice deu um passo à frente.
— Assumirá o trono de Corinto, pai? E Tebas?
Édipos tentava compreender o que acontecia.
— Se for para Corinto, qual de nós ficará com o trono de Tebas? — continuou Polínice.
— Que pergunta tola, meu irmão! — reclamou Etéocles — É claro que sou eu, que sou o mais velho.
— Calem-se! — gritou Édipos — Tenho coisas mais sérias para resolver! O trono de Corinto que espere! E saíam do meu quarto que preciso refletir! Em minutos irei falar com o mensageiro de Corinto. Digam-lhe que me aguarde.
— Calem-se! — gritou Édipos — Tenho coisas mais sérias para resolver! O trono de Corinto que espere! E saíam do meu quarto que preciso refletir! Em minutos irei falar com o mensageiro de Corinto. Digam-lhe que me aguarde.
Empurrou os filhos, que saíram reclamando. Fechou a porta e encostou a testa na parede fria.
— Estou livre do destino de matar meu próprio pai. Mas, por algum motivo sombrio que ignoro, se voltar para Corinto, irei desposar Mérope, minha mãe?
Respirou fundo e foi ao encontro do mensageiro, que o esperava junto a Jocasta, seus dois filhos e Creonte. O homem cumprimentou o rei com uma reverência.
— Como está minha mãe? — foi logo perguntando Édipos.
— A rainha está bem e aguarda seu retorno a Corinto. Ordenou-me que lhe avisasse que o povo já o elegeu seu rei.
Édipos sorriu.
— Fico lisonjeado ao saber que o povo ainda se lembra de mim, após tantos anos, embora sendo eu o único filho de Pólibos, já tenho direito ao trono por herança do próprio sangue.
— Meu rei — disse o mensageiro, visivelmente constrangido — durante sua longa ausência, ficou sabido que não é filho dos reis de Corinto, mas que foi recolhido por eles quando ainda criança.
O olhar assustado de Édipos buscou os olhos de Jocasta. Depois falou ao mensageiro:
— Diga a Mérope que irei para Corinto imediatamente.
O mensageiro se curvou quase até o chão. Mal saiu, chegou um velho, trazido por dois guardas.
— Eis o escravo que escapou do massacre de Laios. — Anunciou um dos guardas.
Édipos se aproximou do escravo, andando com uma dificuldade maior que de costume.
— Diga-me, escravo, o massacre da comitiva de Laios foi realmente feito mesmo por um grupo de bandoleiros? Fale a verdade, homem!
Os olhos úmidos do velho pousaram no rosto de Édipos. Abriu e fechou a boca enrugada, mas as palavras não saíam.
— Fale, homem, diga a verdade e não será castigado! — insistiu Édipos.
— Meu rei, meu amado rei — balbuciou o velho, com os olhos rasos de lágrimas. — Não me obrigue a dizer aquilo que já sabe! Não foram os bandoleiros!... Não foram eles... Mas em todos esses anos minha boca jamais se abriu para revelar a verdade!... Jamais disse a ninguém que meu amado rei foi o assassino de Laios!
Escorregou pelo corpo de Édipos e abraçou-se, chorando, às suas pernas. O silêncio que pesou sobre todos era quase palpável. De repente, o velho escravo largou as pernas do rei, afastou-se um pouco e, ainda agachado no chão, fitou as cicatrizes nos calcanhares de Édipos, que apareciam através das tiras da sandália de couro.
— Que os deuses me perdoem! Perdão, meu rei, perdão! Essas marcas no seus pés... eu as reconheço! Fui eu quem as fiz, quando cravei aquele gancho em seus calcanhares!... Não pude matá-lo, como Laios ordenou!... Era tão criança, tão indefeso!... Perdão, meu rei, perdão!
O gemido de Jocasta feriu o silêncio e ninguém teve o impulso de detê-la. Deixaram que se fechasse em seu quarto e ficaram quietos, imaginando o desespero de seu choro sentido.
Édipos, apoiado em seu bastão, saiu do salão e foi para o átrio, arrastando as sandálias no chão de pedra. Encostou-se em uma coluna.
— Que insano fui, julgando fugir de um destino já gravado a fogo em minha alma!
Deuses, em que os ofendi para merecer tão triste sorte?
— "Édipos, Édipos! — sussurrou a voz em seus ouvidos. — Ouça o que tenho a lhe dizer. Os acontecimentos da vida refletem aquilo que acontece no interior. Volte-se para a parte mais íntima de seu ser, e veja que a todo momento os filhos matam os pais, o novo mata o velho e assume o seu lugar. O ser humano está em constante evolução, numa caminhada que o levará a ser também um deus. E é nessa caminhada que, constantemente, novos valores chegam a destroem os velhos. Procure ver tudo desta maneira e sofrerá menos. Você amou sua mãe, e entenda isto como o despertar da mulher que existe em seu interior. Édipos, escute-me! Volte para Corinto e leve consigo esta experiência simbólica do despertar interior! Você crescerá com seu sofrimento, não deixe que ele o destrua!"
Édipos sacudiu a cabeça, desolado.
— Cale-se, voz insana! Não perturbe a minha dor!...
— "Édipos, — continuou a voz — não se desespere! Veja a sua realidade interior!"
Mas Édipos não quis ouvir mais nada. Com o rosto lavado pelas lágrimas, foi ao encontro de Jocasta. Passou mancando pelo salão onde Creonte, Etéocles e Polínice conversavam em voz baixa. Entrou em seus aposentos, mas a realidade que ali o esperava era cruel demais para sua capacidade de entendimento. O corpo de Jocasta jazia na ponta de uma corda amarrada às vigas do teto, balançando suavemente, como uma flor oscila ao toque da brisa.
— "Édipos, Édipos! — chamou a voz — Olhe para dentro de você e veja a outra face da realidade!"
— Não quero olhar nada! — gritou Édipos, desesperado. — Não quero ver mais nada em minha vida!
E, num gesto rápido, arrancou o broche da túnica de Jocasta e rasgou os próprios olhos.
Amarrado no alto do rochedo, Prometeu(Προμηθεύς) ainda falou:
— "Não faça isso, Édipos! Ainda tenho tanto a lhe ensinar..."
Depois sacudiu tristemente a cabeça e fechou os olhos.
No castelo, os filhos encontraram Édipos caído perto do corpo de Jocasta. Creonte tratou de seus olhos feridos, junto com os médicos da corte, mas não conseguiram restaurar sua visão. Quando os médicos anunciaram que o rei já se restabelecera, seus filhos vieram ao seu encontro, junto com Creonte.
— Meu pai — disse Etéocles, numa voz baixa e rouca. — Não o queremos mais em Tebas.
— Cale-se, Etéocles! — gritou Creonte — Não foi para isso que viemos aqui! Seu pai não é culpado de nada!
— É um incestuoso assassino, que não merece o trono de Tebas — vomitou Polínice, todo tenso.
— Meu pai! Meu pobre pai! — soluçou Antígona, abrançando-se a Édipos.
Ismênia, de longe, comia as pontas dos dedos, engasgada com o próprio pranto.
— Creonte, onde está você? — perguntou Édipos, tateando com a mão trêmula.
Creonte tocou em seu braço com delicadeza.
— Estou aqui, meu rei.
— Creonte — continuou Édipo — vou partir. Entrego-lhe o reino de Tebas. E a vocês, meus filhos Etéocles e Polínice, deixo a minha maldição. Sua ganância fará com que se destruam um ao outro.
Antígona apertou-se mais a ele.
— Irei com você, meu pai, para onde quer que vá!
Édipos beijou-a carinhosamente.
— Está bem, minha filha. Vamos partir. Apesar da culpa que me corrói a alma, no íntimo, sei que fui vítima de uma armadilha dos deuses. Vamos sair de Tebas e procurar a tranqüilidade em outro lugar.
E, quando o sol caiu no horizonte, o povo de Tebas viu a silhueta negra de uma jovem magra e pequena, que amparava um homem alquebrado e trôpego, na estrada que conduzia a Colona.
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