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domingo, 28 de junho de 2020

CAPÍTULO 85: A MORTE DE ÉDIPOS

Édipos(Οἰδίπους) e Antígona(Αντιγόνη). Por Antoni Brodowski


Logo anoitecera, os soldados e anciãos que ali estavam recostaram-se para descansar um pouco. Aproveitando a oportunidade Édipos(Οἰδίπους) sussurrou para sua Antígona(Αντιγόνη).

— Minha filha, acho que toquei a mente dos deuses. Preciso adentrar ao santuário uma última vez.

Sem demora e aproveitando a oportunidade assim o fizeram… E logo relâmpagos cruzaram os céus...

— Oh, Zeus! O céu relampeja, troveja e a terra se agita. Que mensagem envia, deus do Olimpo?



O céu adquiria tons mais escuros, preparava-se para um temporal, e Édipos não deixou de observar um augúrio:

— A mensagem é para mim. Tratemos de nos apressar! Será uma tempestade das grandes! Como um mal assim pode tornar-se um bem? Relampeja como nunca! Tem que ser mau augúrio! Tenho medo, pois não sei qual será o desfecho da sua cólera, ó grande Zeus! Ajoelho-me, em súplica, aos seus pés! Que a sua fúria não rebente sobre nós, pai dos homens!

Sem demora, Antígona lançou ao fogo as ervas mágicas, e antes que a fumaça das ervas se estendesse a todo o Templo, Édipos já mergulhara em seu interior. Desta vez, não houve a espiral. Foi lançado à frente de uma carruagem de onde saiu a figura de Laios(Λάιος) que, com gestos lentos e pesados, desferiu em seu rosto um golpe com seu aguilhão. Édipos caiu no chão, com um gemido, mas imediatamente percebeu que se não enfrentasse seu agressor, estaria irremediavelmente condenado à repressão implacável, que se serviria de sua deficiência física e de sua debilidade psíquica. Édipos se ergueu, feroz, e abateu o repressor. 

Sentiu que algo novo e forte despertava em seu interior e uma tonteira, quase um desmaio, arrancou-o da frente da carruagem e colocou-o aos pés da Esfinge(Σφίγξ), que lançou o enigma mortal: 

— Qual é o ser que, de manhã, anda com quatro pernas, ao meio-dia com duas e à tarde com três e que, contrariando a Natureza, quando se apoia em maior número de pernas, a rapidez se enfraquece em seus membros? 

Édipos ouviu a própria voz responder: "O Homem". Mas, naquele momento, sentiu que o Enigma da Esfinge o reduzia à condição de animal, movido pelos instintos, irracional. E Édipos compreendeu que o Homem só se eleva acima da animalidade quando está de pé, os pés na terra-Mãe e a cabeça apontando para o firmamento, Urano(Οὐρανός), o Pai Primordial. 

Novamente sentiu sua limitação física. Viu-se arrastando sobre quatro membros, durante muito tempo, na infância e sentiu sua incapacidade de estar de pé, ereto, sem o auxílio de sua muleta. 

Novamente chorou, mas desta vez Antígona não conseguiu tirá-lo do transe. Outra tonteira, um mergulho mais fundo e se viu nos braços de Jocasta(Ἰοκάστη). Mas agora a consciência de que possuía sua própria mãe fez com que prendesse a respiração. Preparou-se para cair nas garras da culpa, mas, em vez disto, uma sensação cálida brotou em seu coração. E sentiu que os corpos unidos se fundiam em um único ser. Sentiu-se forte, com a mulher interior desperta e consciente, forte como o filho que se torna uno com a Mãe-Terra, que nele desperta a força da Natureza. 

O rosto de Tirésias(Τειρησίας) surgiu em sua tela mental, falando sobre a peste que se abatera sobre Tebas. "A culpa é do assassino de Laios!" - disse ele, apontando para Édipos. E, em sua visão interna, Tirésias continuou seu discurso: "Culpa do assassino do Rei, que tomou o seu lugar, mas não soube reinar. A mazela do povo nasceu da fraqueza do seu governo, débil como suas pernas!" 

Édipos chorava e Antígona, aflita, procurava chamá-lo à realidade exterior. Mas ele estava muito longe, tão longe, tão compenetrado, que não pôde ouvir os chamados da filha. 

Relâmpagos continuavam a riscar os céus... anciãos e soldados que ali estavam ante aquele tumulto se ajoelharam. Édipos começou a gritar:

— Teseus(Θησεύς), onde está Teseus? Ele precisa me encontrar vivo ainda! Tenho algo a dizer!

— Já foram chamá-lo, Édipos, não te atormentes. O rei não deve estar longe. — respondeu um dos anciãos que ali estavam

Próximo dali, Teseus foi alcançado por um mensageiro, que gritava:

— Teseus! Teseus, três vezes glorioso! Venha correndo para junto de Édipos! Ele o procura e deseja pela cidade, pelos amigos, por vós, por tudo que recebeu de bom, paga-lo com o bem.

— Mas estou a caminho do Templo de Poseidon!... Se me demorar, não chegarei a tempo de evitar a tempestade...

— Adie sua ida, meu senhor, não demore, porque o tempo tudo varre e sempre imperturbável permanece. Por isso corra, Teseus, pelo seu amigo, pela cidade, por todos! O deus haverá de compreender!

E ambos galoparam de volta ao bosque das Eumênides. E não demoraram a retornar:

— Anciãos, por que me chamaram? Édipos, o que deseja? E o que significam esses trovões e relâmpagos repentinos?

Ainda em transe Édipos respondeu:

— Chegou minha hora, Teseus. Os deuses, que não sabem mentir, avisaram-me que, em meio a raios e trovoadas eu marcharei para a salvação!

Teseus desceu do cavalo e foi ter com o amigo.

— Acredito em você, Édipos, pois tudo o que os deuses o disseram provou ser verdade. Apenas me diga o que devo fazer.

— Antes de morrer eu o revelarei um segredo, que será uma bênção à cidade hoje, amanhã e sempre. Eu agora, embora cego, tomarei sozinho, sem ninguém para me guiar, o caminho ao Hades. Porém, você será o único e somente você escutará o segredo, um segredo que irá trazer à sua cidade um bem tão grande como nenhum poder neste mundo poderia proporcionar. Você guardará esse segredo com sagrada devoção e apenas quando chegar a hora de sua morte irá revelá-lo àquele que ficar em seu lugar. E este, por sua vez, irá transmiti-lo ao seu sucessor. 

Naquele momento, Édipos aprofundou-se ainda mais em seu transe e na tela negra que seus olhos lhe mostravam, apareceu Jocasta, pendurada a uma corda. Édipos sentiu que junto com ela morriam seus desejos terrenos, sua vaidade. Rasgou os olhos para não mais ver o mundo físico que o cercava. Cegou os olhos da carne, mas abriu os olhos do espírito. E estes olhos, abertos para o Infinito, lhe mostraram a imagem de Prometeu(Προμηθεύς), amarrado a um rochedo. E a voz conhecida ressoou em seus ouvidos: 

— Venha, Édipos, deixe seus valores terrenos e eleve-se aos céus. Dia virá em que poderá retornar a um corpo físico perfeito e então sua visão interior, agora desperta, lhe ensinará a ser também um deus.

Antígona viu, surpresa, Édipos levantar-se sem o auxílio do bastão. Caminhou ereto, até a porta do Templo, onde um raio de luz fez brilhar seu rosto molhado de lágrimas. Seus olhos mortos fitaram o céu e uma expressão de intensa alegria se estampou em sua face iluminada. Logo após proferiu:

— E agora sigam-me. E não se preocupem em como eu irei marchar, pois Hermes(Ἑρμής) e Perséfone(Περσεφόνη), a deusa do mundo inferior, estão conduzindo minha alma.

Assim, Édipos, seguido por Teseus e por sua filha, chegou ao lugar em que havia uma rocha. Ali perto havia uma fenda na terra que conduzia ao Reino de Hades. Pediu, então, que sua filha o banhasse, como era costume se fazer com os mortos. Feito isso, o céu trovejou e a moça, assustada, caiu aos pés do pai, agarrou-se a seus joelhos e os beijou.

— Minha filha, a partir de hoje não terá mais ao lado o seu pai, que tanto amou e de quem cuidou com tanto carinho. Eu também a amei como nenhum outro pai neste mundo. Agora deverá tocar a vida sozinha, mas já sem o fardo de ter de se preocupar comigo e minha segurança. Nem sequer precisará se incomodar em me dar sepultura, porque os deuses, que tanto me perseguiriam outrora, agora têm simpatia por mim e me chamam para descer ao Érebos sem ter de passar pelos estertores da Morte!

Dizendo essas palavras, ele a abraçou. E, fortemente abraçados, romperam em soluços.

E, então, ouviu-se uma voz que vinha de longe, de dentro da fenda na terra.

— Édipos! O que estamos esperando? Chegou a hora e você está se demorando.

Então, Édipos, que percebeu quem o estava chamando, pediu a Teseus que se aproximasse:

— Teseus, confio a você minha filha e estou seguro de que fará o que é melhor para ela. E você, minha filha, agora órfã, tenha coragem e afaste-se de mim, pois não deve ver o que vai acontecer, nem ouvir aquilo que só o rei de Atenas deve ouvir. Vá.

Com os olhos cheios de lágrimas, a menina obedeceu e se afastou. Então, Teseus pegou Édipos pela mão e prosseguiu em direção à fenda na terra. E ouviu quando ele disse: 

— Caminho ao encontro dos deuses e um dia serei um deus, como eles. Receberei então um reinado de glórias, o reinado sobre mim mesmo e sobre o mundo em que viver, esteja ele onde estiver! 

Deu mais uns passos e caiu. Teseus curvou-se sobre ele, mas nem conseguiu chorar, porque o vulto de luz que se desprendeu do corpo sem vida emanou uma paz intensa que invadiu sua alma, enchendo-a de uma tranquilidade inebriante. E acompanhou com os olhos a silhueta de luz que se afastava para as profundezas da terra, sumindo atrás de um rochedo enorme que crescia no horizonte.

Pouco tempo depois, Teseus retornava, sozinho. Trazia estampada no rosto uma emoção que era um misto de satisfação e tristeza. Estava satisfeito por ouvir o segredo que Édipos lhe confiara, mas estava também cheio de dor pela perda de um homem de coração nobre. Enfim, aproximando-se da moça, disse:

— O seu pai, o homem que passou pelas maiores amarguras e pelos mais terríveis tormentos, foi embora aliviado de todo o horror que lhe torturava a alma, tendo recebido de mim a promessa de que farei por você o que for melhor. E não chore, porque a morte que os deuses concederam a Édipos foi uma honra que jamais algum mortal havia recebido. Seu pai caminhou para Hades sem deixar um túmulo e sem precisar de lamentos e cantos fúnebres. Terá um lugar nos Campos Elísios.

Então, a jovem, recobrando o ânimo, enxugou as lágrimas. Em seguida, Antígone disse:

— A melhor coisa que pode fazer por mim é enviar-me o mais depressa possível para Tebas.

— E estará segura em Tebas?

— Sim. E talvez chegue a tempo de evitar o mal que pende sobre as cabeças de meus irmãos.

— Farei isso e o que mais desejar. Por você e pela obrigação que tenho para com seu pai. E se ele errou, foi de maneira tal que a raça dos homens irá honrá-lo para sempre!


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